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LIVROS / LANÇAMENTOS
"AVENTURAS NO MARXISMO"
Obra reúne 13 textos de Marshall Berman
Coletânea é produto da retração do marxismo
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
Há 15 anos, quando foi lançado no Brasil o primeiro livro
de Marshall Berman, "Tudo que É
Sólido Desmancha no Ar", o general Golbery do Couto e Silva estava afastado da política. Deixara
o ministério de João Figueiredo
porque o ditador acobertou os
terroristas do Exército que fizeram o atentado do Riocentro
Golbery apoiara Paulo Maluf
contra Tancredo Neves. Derrotado, acompanhava à distância a
barafunda do governo Sarney e
seu Plano Cruzado. Tinha tempo
de sobra para atender o telefonema do repórter que queria sua
opinião sobre o livro de Berman.
O general foi talvez o primeiro
brasileiro a ler "Tudo que É Sólido
Desmancha no Ar". Lera uma resenha no "New York Times Review of Books" na semana em que
foi lançado nos Estados Unidos,
em 1982, e o importou.
"É um livro excelente, lembra
um pouco "Rumo à Estação Fin-
lândia", do Edmund Wilson", disse Golbery, um reacionário que
estudara Marx e raciocinava dialeticamente. Berman, que não tinha noção de quem era o general,
ficou lisonjeado com a opinião.
Os 13 ensaios, artigos e resenhas
reunidos por Marshall Berman
em "Aventuras no Marxismo"
comprovam que Golbery continua certo. Afora Marx, Edmund
Wilson é o autor mais citado no livro. Como em "Rumo à Estação
Finlândia", a preocupação de Berman é rastrear o radicalismo tendo Marx como paradigma. Sua
prosa, bem informada e emocionada, lembra a de Wilson.
Autotransformação
Cessam aí as semelhanças. O livro de Wilson historia o pensamento libertário desde as concepções de Jules Michelet sobre a Revolução Francesa até o desembarque de Lênin na estação Finlândia, em Petrogrado, em abril de
1917, para liderar a revolução bolchevique.
Escrito durante a Segunda
Guerra Mundial, "Rumo à Estação Finlândia" captava o marxismo no auge. Mostrava o pensamento socialista se concretizando
em prática, mudando a vida de
centenas de milhões de pessoas.
A coletânea de Berman, além de
não pretender contar uma história, é produto da retração do marxismo. Como em "Tudo que É Sólido Desmancha no Ar", a pedra
de toque do livro é a aproximação
da modernidade (em 1845, Baudelaire usou pela primeira vez a
expressão "arte moderna") ao
marxismo (consubstanciado três
anos depois pelo próprio Marx no
"Manifesto do Partido Comunista").
Da aproximação, resulta um
Marx mais modernista que comunista. Para Berman, a modernidade é a situação histórica em
que o indivíduo pode se aventurar, autotransformando-se e
transformando a sociedade, ao
mesmo tempo em que corre o risco de ser engolfado pela destruição inerente ao capitalismo.
Berman encontra a aventura
modernista no Marx dos "Manuscritos Econômico-Filosóficos". Nele, o jovem pensador proclama o direito do indivíduo a
buscar "o livre desenvolvimento
de sua energia física e mental" e
defende que o comunismo é
"uma solução genuína para o
conflito entre homem e natureza e
entre homem e homem".
Berman flagra a destruição capitalista na sociedade burguesa
descrita no "Manifesto": "Todas
as relações fixas e rapidamente
solidificadas, com sua coleção de
idéias e opiniões veneráveis, são
varridas do mapa; todas as relações recém-formadas tornam-se
obsoletas antes de terem tempo
de se calcificar".
Emparedado entre a utopia dos
"Manuscritos" e o elogio à destruição do "Manifesto", Berman
não dá o passo que o próprio
Marx deu: o de descer aos infernos da economia para de lá sair
com uma teoria que norteasse
uma ação política. Sistematicamente, ele tira a palavra "Partido"
do título do "Manifesto". O seu
Marx de Berman é um escritor e
filósofo, e não um político com a
ambição de mudar o mundo.
No capítulo "As Pessoas em "O
Capital'", por exemplo, ele estuda
o poder das metáforas, a força
dramática, o uso literário que
Marx faz da voz de operários e
inspetores de fábricas inglesas.
Conclui o óbvio, que Marx foi um
dos maiores escritores do século
19, e passa ao largo da questão
central de "O Capital".
A saber: a do prognóstico histórico de que o proletariado se erigiria em classe dominante e emancipadora da humanidade, da ruína inevitável do capitalismo.
Derrota na derrota
Com isso, "Aventuras" faz do
marxismo um atraente objeto de
estudo e, nos melhores capítulos,
um afiado método de análise (o
que não é pouco, dado que, também no campo literário, a burguesia vem ganhando de lavada).
Mas não o encara como instrumento de transformação da realidade (o que talvez seja pedir demais, mesmo a um marxista).
Ainda assim, soa estranho que
um livro intitulado "Aventuras no
Marxismo" não tenha nada a dizer sobre a derrocada da União
Soviética e satélites. Se não quer se
haver diretamente com o significado da URSS, Berman é obrigado a tangenciá-la no melhor ensaio do livro, o dedicado a Georg
Lukács (1885-1971). Não falta
aventura na vida desse marxista
que, na descrição Berman, "começou a vida na era de Disraeli e
Nietzsche e segurou as pontas até
a era dos Beatles e das caminhadas na Lua".
Lukács escreveu duas obras-primas, "Teoria do Romance" e
"História e Consciência de Classe", foi ministro da Cultura na
Hungria em duas revoluções, as
de 1919 e 1956, refugiou-se na Alemanha e escapou do nazismo para Moscou, onde a ditadura o processou, condenou, prendeu e o
obrigou a abjurar seus livros.
No final da vida, registra Berman, Lukács ainda estava a postos, "denunciando tanto as bombas que atingiram Hanói como os
tanques que invadiram Praga".
Lukács provoca um curto-circuito na tese central de "Aventuras no Marxismo", a que aproxima o modernismo do marxismo.
Num ensaio famoso, "A Ideologia
do Modernismo", Lukács usou o
marxismo para atacar toda a bancada modernista. Não escapou
quase ninguém: Proust, Joyce,
Faulkner, Kafka e Freud.
Berman enfrenta com galhardia
o antimodernismo do marxista
por excelência. Usa como arsenal
teórico a historiografia, a psicologia, a crítica literária e muita, muita dialética marxista.
Consegue uma pequena vitória
do marxismo contra a obscuridade, ao fazer do Lukács tantas vezes derrotado uma figura trágica.
Se bem que, como repetia o dialético general Golbery, "toda vitória
traz embutida uma derrota, e toda
derrota traz embutida outra derrota".
Aventuras no Marxismo
Adventures in Marxism
Autor: Marshall Berman
Tradutor: Sonia Moreira
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (306 págs.)
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