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LIVROS/LANÇAMENTOS
Viúva de Jorge Amado fala sobre seu livro, "Códigos de Família", que é lançado hoje
Códigos de Zélia e Jorge
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
Recebido por Jorge Amado vestido com um "bubu" (túnica longa) marroquino, um padre não
resiste e ajoelha-se a seus pés:
"Que lindo! Parece um imperador
romano!". Louco para se livrar do
fã inesperado, o escritor manda o
motorista levá-lo embora. No caminho, o tal padre pergunta: "O
mestre se traja sempre assim?". E
o motorista: "Daí para mais!".
"Daí para mais" tornou-se, então, o bordão favorito dos Amado
em situações nas quais se quer
exagerar. É um dos "Códigos de
Família" de que fala Zélia Gattai
em seu novo livro, lançado hoje
pela Record na Feira do Livro de
Porto Alegre. São códigos gozadores, surgidos no convívio com
familiares e amigos próximos do
casal, que viveu junto por 56 anos.
É um livro despretensioso, que
Zélia diz haver escrito sem intenção literária, embora afirme ter,
sim, status como autora para sentar na cadeira 23, ocupada pelo
marido, na Academia Brasileira
de Letras -a eleição será no dia 7
de dezembro. Leia a seguir trechos da entrevista, por telefone.
Folha - Como nasceu o livro?
Zélia Gattai - Ele não estava na
agenda. Escrevi nos seis meses em
que Jorge esteve sem poder sair.
Estava muito acabrunhada, procurando achar que nada era grave, me enganando. Aí Paloma,
minha filha, disse: "Mãe, o jeito é
você ir para o computador porque se distrai". Fui me divertindo
e trazendo Jorge à vida. Por isso
ele aparece no presente. Terminei
na véspera de ele morrer.
Folha - A sra. tinha tempo?
Gattai - Ele ficava deitado até
umas 9 da manhã, e às 7 eu já estava no computador. Quando levantava, passava pelo meu gabinete, eu sentia os passos, arrastando o chinelo. Parava e dizia:
"Olha, já vou lhe atender. Estou
escrevendo um bocado de coisa
de você, hein?". Ele ria. Mas falava
muito pouco, ficou muito calado.
Folha - Lhe solicitava muito?
Gattai - Não, coitadinho. Ficava
ali parado, mas eu sentia que gostava da minha presença, porque
estendia a mão para mim. Eu sabia as particularidades da mão dele. Um calombinho aqui na junta
do dedo mínimo, que ele gostava
quando eu massageava. Ficava o
dia todo com a mão dele na minha. De vez em quando, dizia: coce minha cabeça, e eu coçava.
Folha - Fazia cafuné.
Gattai- É, fazia tanto cafuné, ele
falava: "Mais aqui, desse outro lado". Era a nossa conversa. Ficava
assim até o almoço, depois a gente
andava no jardim, sentava no
banquinho debaixo da mangueira, tomando ar. Inventei cantiguinhas para ele, assim muito bestas.
(Ela canta)"Seu Jorge está em casa, está no seu jardim, ao lado de
Zélia um cachorro chinfrim." Ele
dizia: "Por que chinfrim?" E ria.
Cada sorriso dele era um prêmio.
Folha - Como está acompanhando sua candidatura à Academia?
Gattai - Isso eu não sei, não.
Quem achar que eu mereço vota
em mim. Quem achar que não
mereço não vota. Não vou fazer
nenhuma pressão.
Folha - O que a sra. achou das críticas feitas à sua candidatura?
Gattai - Não achei nada. Quem
cospe para cima o cuspe cai na cara. Não vou entrar em polêmica.
Folha - Acha que tem status como
escritora para estar lá?
Gattai - Tenho. Para entrar na
Academia precisa ter escrito um
livro, eu já escrevi 13.
Folha - Como está levando a vida?
Gattai - Meus filhos procuram
me distrair, mas estou triste. Sinto
muita falta da presença de Jorge,
mesmo doente, calado. Agora
mesmo levantei a cabeça instintivamente para ver a cabecinha
branca dele ali na poltrona, mais
adiante. Depois, ele está enterrado aqui, a urna com as cinzas estão debaixo da mangueira, ao lado do banco onde a gente sentava.
Gosto de ler meu jornal lá.
Folha - Está acompanhando as
notícias da guerra?
Gattai - Estou apavorada, tenho
muito receio que se utilizem as armas atômicas. Digo sempre: Jorge
se livrou dessa. Ele ia ficar muito
apreensivo e desgostoso.
Folha - Esse seu livro não tem nenhuma pretensão literária, não é?
Gattai - Nunca tenho nenhuma
intenção literária. Escrevo coisas
que vivi, que me emocionam.
Aprendi com Jorge. Ele diz: "Se o
escritor quiser transmitir emoção, deve escrever emocionado".
Folha - Sua grande obra então é
como memorialista?
Gattai - Escrevi um romance
("Crônica de uma Namorada"),
inventadinho todo por mim, também com emoção. Muita gente
diz: gostei tanto do seu romance
"A Casa do Rio Vermelho". Não
adianta dizer que não é romance,
é memória. Comentava isso com
Jorge e ele dizia: ""É porque sua vida é um romance, minha filha"
(risos). É muito difícil que uma
pessoa viva tudo que eu vivi, sabe?
Folha - Qual o código que se aplicaria à história de vocês?
Gattai - (Rindo) Me veio à cabeça "quem acha encaixa" (algo como "achado não é roubado").
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