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27ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP
"Adeus, Dragon Inn", de Tsai Ming-liang, retrata o último dia de uma sala de cinema
Angústia quadro-a-quadro
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
Num tempo em que as salas de
cinema se fecham para serem
transformadas em igrejas e supermercados, a força que as habita
-o próprio cinema, força de expressão e de resistência mental-
continua vivo e assombrando.
É isso que se vê em "Adeus, Dragon Inn", sexto longa-metragem
de Tsai Ming-liang, cineasta malaio que vive em Taiwan e que
compõe, ao lado de Edward Yang
e de Hou Hsiao Hsien, uma das
mais fortes cenas da produção cinematográfica hoje.
Conhecido no Brasil pelo escandaloso "O Rio", Tsai tem outros
dois longas e um curta em exibição na 27ª Mostra Internacional
de São Paulo e também é um dos
convidados do evento.
"Adeus, Dragon Inn" retrata,
como "Cinema Paradiso", os estertores de uma sala de cinema. A
coincidência, porém, acaba aí. Ao
contrário do filme de Tornatore,
em que a nostalgia e o sentimentalismo fácil levam a crer que o cinema se tornou uma arte morta
(ou coisa de museu), no filme de
Tsai, ele vibra em toda a sua modernidade e radicalidade.
No último dia de exibição de
uma grande sala, o cinema (o de
King Hu, clássico oriental que mal
conhecemos) preserva sua grandeza na tela. Enquanto isso, uma
faxineira manca se move com dificuldades pelos bastidores e um
grupo de homossexuais busca
parceiros fortuitos entre as cadeiras e no banheiro.
Como em seus filmes anteriores, Tsai retoma com maestria as
composições dos planos, fazendo
conviver uma porta aberta e a
grande tela, o desejo aflito e o heroísmo dos combates. A água, como de costume, escorre sob a forma de chuva e de goteira.
Para além de qualquer possível
simbolismo, a água funciona como contraponto aos espaços
claustrofóbicos com que Tsai
constrói suas grandes formas.
Pois esse elemento serve de veículo ao tempo, que invade o plano,
escande sua perfeição e corrompe
sua beleza.
Comparado às vezes com Robert Bresson (pela depuração do
elemento dramático e a secura
das relações humanas), o cinema
de Tsai tem, de fato, sua matriz na
obra de Antonioni, na qual o espaço (geométrico e arquitetural)
captura para expressá-la toda a
angústia da alma contemporânea
sem precisar, para isso, recorrer a
nenhum tipo de psicologia.
É no plano e, mais precisamente, na duração dos planos que o cineasta elabora sua poesia do tempo. Uma poesia que se importa
com o humano, claro, mas que
busca capturar em seu vazio uma
forma de evasão ou de ultrapassamento do beco sem saída da vida
urbana hoje (feita de desencontros, de incomunicabilidades e de
gozos fortuitos).
Essa dimensão tem sua expressão mais bem acabada numa cena
de "Adeus, Dragon Inn" em que
Tsai filma a sala vazia, após a última sessão.
Esta cena tem uma duração
quase exasperante, a do vazio que
mira o espectador como se gritasse alto e não houvesse mais ninguém ali para escutar.
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