São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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28ª MOSTRA DE CINEMA

Diretor fala sobre o subtexto de "Família Rodante" e sobre as diferenças culturais de seu país

Trapero traz a "Argentina longe da Argentina"

DA REDAÇÃO

Leia a continuação da entrevista com Pablo Trapero. (SC)
 

Folha - Como "Diários de Motocicleta", "Família Rodante" revela lugares afastados da América Latina, onde a pobreza é muito grande. Você quis fazer um filme político?
Trapero -
Todos os filmes são políticos. Mas não quis me propor isso de forma explícita porque sei que, de qualquer forma, meu ponto de vista sempre estará nos meus filmes. Obviamente me interessa que os temas reflitam isso, mas não como o enunciado. Deve fazer parte da imagem, mas não tem de ser dito de maneira direta.

Folha - Outro desses temas silenciosos seria a distância cultural e histórica que há entre Buenos Aires e o restante do país?
Trapero -
Sim. Há muitas coisas no filme sobre as quais não se fala. Essa questão é uma delas. O filme pode ser visto como uma comédia sobre uma família em uma viagem de férias. Mas o que me interessa é justamente tudo aquilo que não é uma família em uma viagem de férias, e sim o que se pode entender sobre o passado dessa família, a partir das coisas que não são contadas. Por exemplo, não sabemos o que cada um dos personagens faz em sua vida cotidiana, em que trabalham, o que pensam ideologicamente. Tudo isso de que não se fala no filme é parte de sua construção.

Folha - Você se inspirou de alguma forma na linguagem dos "reality shows" televisivos?
Trapero -
Não vejo um paralelo direto, pois se trata de ficção, em que cada cena é construída. Mas no que diz respeito à maneira como o público a vê, talvez se possa fazer uma comparação. Me interessa fazer com que quem a assista perca a consciência de que está vendo uma construção. Quando eu era pequeno e ia ao cinema, não sabia que havia diretores, atores, nem o que era um plano. Para mim, o filme vivia na tela. E quando saía do cinema, o filme seguia existindo nela. Essa sensação de não-construção, ou de construção invisível, era o objetivo.

Folha - E por que escolheu Misiones, na fronteira com o Brasil?
Trapero -
Primeiro porque o nordeste é uma região da Argentina que não está no cinema. Geralmente os filmes sobre viagem na Argentina são feitos em direção ao sul, são lugares mais relacionados ao turismo. E Misiones é uma cidade que tem muita influência tanto do Brasil como do Paraguai. Por isso também há uma sensação clara de distância e de regras diferentes. Tudo ali é distinto do resto da Argentina, a cor da terra é diferente, as estradas. A idéia era mostrar uma Argentina que é ainda mais longe da Argentina. E a partir disso passar uma sensação de atemporalidade e de que se está num lugar pouco reconhecível.


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