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28ª MOSTRA DE CINEMA
Diretor fala sobre o subtexto de "Família Rodante" e sobre as diferenças culturais de seu país
Trapero traz a "Argentina longe da Argentina"
DA REDAÇÃO
Leia a continuação da entrevista
com Pablo Trapero.
(SC)
Folha - Como "Diários de Motocicleta", "Família Rodante" revela
lugares afastados da América Latina, onde a pobreza é muito grande.
Você quis fazer um filme político?
Trapero - Todos os filmes são
políticos. Mas não quis me propor
isso de forma explícita porque sei
que, de qualquer forma, meu
ponto de vista sempre estará nos
meus filmes. Obviamente me interessa que os temas reflitam isso,
mas não como o enunciado. Deve
fazer parte da imagem, mas não
tem de ser dito de maneira direta.
Folha - Outro desses temas silenciosos seria a distância cultural e
histórica que há entre Buenos Aires
e o restante do país?
Trapero - Sim. Há muitas coisas
no filme sobre as quais não se fala.
Essa questão é uma delas. O filme
pode ser visto como uma comédia sobre uma família em uma
viagem de férias. Mas o que me
interessa é justamente tudo aquilo que não é uma família em uma
viagem de férias, e sim o que se
pode entender sobre o passado
dessa família, a partir das coisas
que não são contadas. Por exemplo, não sabemos o que cada um
dos personagens faz em sua vida
cotidiana, em que trabalham, o
que pensam ideologicamente.
Tudo isso de que não se fala no filme é parte de sua construção.
Folha - Você se inspirou de alguma forma na linguagem dos "reality shows" televisivos?
Trapero - Não vejo um paralelo
direto, pois se trata de ficção, em
que cada cena é construída. Mas
no que diz respeito à maneira como o público a vê, talvez se possa
fazer uma comparação. Me interessa fazer com que quem a assista perca a consciência de que está
vendo uma construção. Quando
eu era pequeno e ia ao cinema,
não sabia que havia diretores, atores, nem o que era um plano. Para
mim, o filme vivia na tela. E quando saía do cinema, o filme seguia
existindo nela. Essa sensação de
não-construção, ou de construção invisível, era o objetivo.
Folha - E por que escolheu Misiones, na fronteira com o Brasil?
Trapero - Primeiro porque o
nordeste é uma região da Argentina que não está no cinema. Geralmente os filmes sobre viagem na
Argentina são feitos em direção
ao sul, são lugares mais relacionados ao turismo. E Misiones é uma
cidade que tem muita influência
tanto do Brasil como do Paraguai.
Por isso também há uma sensação clara de distância e de regras
diferentes. Tudo ali é distinto do
resto da Argentina, a cor da terra é
diferente, as estradas. A idéia era
mostrar uma Argentina que é ainda mais longe da Argentina. E a
partir disso passar uma sensação
de atemporalidade e de que se está num lugar pouco reconhecível.
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