São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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DANÇA

Grupo retorna ao Brasil com a coreografia "Moon Water", com ênfase em elementos espirituais

Cloud Gate mostra jornada de meditação

Divulgação
Cena do espetáculo "Moon Water", apresentado pelo grupo Cloud Gate Dance Theatre, de Taiwan


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Toneladas de grãos de arroz cobriam todo o palco, onde um dançarino desenhava círculos concêntricos com um arado. Esta imagem ficou marcada na memória de quem assistiu ao espetáculo "Songs of the Wanderers" (Canções dos Peregrinos, 1994) da Cloud Gate Dance Theatre, de Taiwan, no ano passado. A companhia volta ao cartaz no teatro Alfa, de 18 a 21 de novembro, com "Moon Water" (Água Lunar, 98).
A Cloud Gate foi fundada em 1973 pelo seu coreógrafo e diretor Lin Hwai-min (1947). Hwai-min estudou dança clássica asiática, Tai Chi, meditação, dança moderna e clássica. Quando era estudante de pós-graduação no Programa Internacional de Literatura da Universidade de Iowa (EUA), Hwai-min foi em busca da pioneira da dança moderna Martha Graham (1894-1991), em Nova York, e estudou em sua escola. De volta a Taiwan, criou seu grupo.
Em 1999, Lin formou o Cloud Gate 2 para incentivar novos coreógrafos, realizando turnês pelos campus universitários e comunidade rurais de Taiwan. Ele se diz influenciado não exatamente pela técnica de Graham, mas pela idéia que lhe dá base. "Temos um background comum: o teatro oriental e a literatura. O que fazemos hoje vem da tradição das disciplinas corporais chinesas." Em "Moon...", a influência mais direta vem do Tao Yin, uma forma antiga de Tai Chi. Os dançarinos "partem desse terreno de energia, que a platéia pode sentir".
Trabalhando na fusão de estilos tradicionais da cultura asiática com material contemporâneo, e dando ênfase a elementos espirituais, a Cloud Gate tem se apresentado regularmente pela Ásia, Europa e Estados Unidos. Em 2003, a crítica de dança do "New York Times", Anna Kisselgoff, escolheu "Moon Water" o melhor espetáculo do ano. Três anos antes, Hwai-min fora nomeado um dos "coreógrafos do século 20" pela revista "Dance Europe", e eleito a "personalidade do ano", pela "Ballet International".
Antes de sua vinda ao Brasil, Hwai-min conversou com a Folha por telefone, da capital Taipei.
 

Folha - O que você diria sobre a relação entre energia e corpo?
Hwai-min -
Aí está a chave da companhia. Ao fazermos Tai Chi, meditação, ficamos mais alertas para o Chi, que é a energia interna. Acreditamos que cada movimento começa no centro do torso, e que a energia que está dentro do torso fluirá para fora. Essa energia direciona nossos gestos.

Folha - É isso o que se espera ao trabalhar com este tipo específico de movimento?
Hwai-min -
A tentativa é captar a energia -e fazer com que a platéia a perceba. Em "Moon Water" trabalhamos com diferentes sentidos do tempo e dinâmicas do movimento. Depois de três ou quatro minutos a platéia já está tocada pela energia. Fica tudo intensamente silencioso e calmo, e todo o teatro imerso naquilo.
"Moon..." não tem uma história, mas a beleza dos movimentos com a música de Bach, a água e os espelhos, tudo remete a uma unidade, que emociona as pessoas.

Folha - Por que Bach (1685-1750)? Há algo de especial na versão que você escolheu?
Hwai-min -
Não poderia ser outra música. Porque é muito pura. Eu não escolhi Bach apenas, mas especificamente esta interpretação, do violoncelista Mischa Maisky. Normalmente os músicos tocam esta peça num estilo barroco. A versão de Maisky é mais romântica: ele exagera e espicha os baixos, e alonga a linha da música. Não a escolhi só por sua pureza, mas pela gravidade.

Folha - Existe um significado especial no título?
Hwai-min -
Na realidade, sempre que coreografo lido com o movimento, é só isso. Mas você precisa de alguma direção. A imagem de "Moon Water" é muito comum na cultura chinesa: a lua refletida na água e a flores refletidas no espelho. Falamos aqui de coisas reais e ilusórias, do movimento com e sem efeitos. E esse contraste se traduz de forma metafórica pela lua, pela água e pelas flores.
O único cenário são grandes espelhos em diferentes lugares. Quando os dançarinos se movem, a platéia pode ver o reflexo acima deles. No final, o chão está coberto de água, onde as imagens também se espelham. E quando saem, o espelho reflete um chão de água, que é puro vazio -sentimos a energia do chão. A música termina e a platéia pode ouvir só o barulho da água.

Folha - O que muda em termos de percepção corporal e do movimento, quando se dança na água?
Hwai-min -
Nosso treinamento é sempre voltado para o equilíbrio e o controle, depois a fluidez. Então não é diferente. Com ou sem água, os bailarinos não estão se apresentando para uma platéia, mas sim fazendo uma jornada de meditação.


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