São Paulo, quinta-feira, 27 de outubro de 2005

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COMIDA

NINA HORTA

Gosto de fruta, Brasil

Silvestre Silva, o fotógrafo das frutas, tem mais um livro. Acho tão bonita a sua profissão, aquela espera pela flor e pelo fruto, o momento do flash, do amarelão da jaca, da cor de gengiva da goiaba.
Fico impressionada com as viagens constantes, de norte a sul, do carro de boi à canoa, do avião ao trem, as caminhadas a pé mato adentro. O detetive das espécies em extinção. O fotógrafo do pomar, aquele que nos devolve as frutas desaparecidas.
Entrevistei o Silvestre, nem sei como consegui, está sempre em outro lugar, aparece por aqui, tem seu tempo de safra em São Paulo e logo foge chamado por uma "fonte", um dos seus muitos colaboradores que acaba de espreitar no mato a fruta estranha. E lá vai ele ao mundaréu do Brasil afora.
Menino de Piedade do Paraopeba, Minas Gerais, calça curta, bodoque na mão, comendo fruta no pé, nenhum fotógrafo na família. Ele mesmo se intriga. Pequeno, já era curioso e gostava de coisas bonitas. Quando o pai se embrenhava no mato atrás de um cavalo perdido, voltava com o chapéu cheio de frutas diferentes e lindas, que nos olhos do menino eram um pequeno milagre. E queria saber os nomes, a cara da árvore, esmiuçava a semente, que beleza, que gostosura...
Aos 17 anos já estava em São Paulo, procurando emprego. Comprou a primeira máquina com dinheiro dele e saiu fotografando. Um dia sentiu falta de uma fruta de infância, o bacupari. Foi procurar para comprar e não achou. Quando conseguiu ir de novo à terra em que nasceu, não reconheceu a árvore.
"Meu Deus, como fui me esquecer da árvore de minha fruta preferida", morreu de vergonha e preocupação. "Estou perdendo minhas raízes. Isto não é bom." E aí, acha ele, deu-se a coisa principal na sua vida. Começou a ler os brasileiros, de olho nas frutas. Guimarães Rosa, Euclydes da Cunha, Jorge Amado, tudo que lhe caía nas mãos. Viu que outra fonte boa eram os velhos. Era só cutucar a lembrança que a infância jorrava cheia de árvores a serem achadas e fotografadas. Ali, naquele groto, no matinho lá adiante, na casa do Zé da Pipa, perto do ribeirão, tinha um pé.
E assim foi fazendo uma rede de informantes, velhos, moços, pesquisadores, caboclos, interessados, gulosos.
Publicou seu livro, "Frutas, Brasil, Frutas", o primeiro de um projeto de quatro, em 1991. Foi uma vitrine. A partir dali o mundo começou a saber que ele existia. Com a internet, então, foi uma avalanche. "Quem diria", filosofa o Silvestre, "que aquele menino da roça faria a ponte entre pesquisadores da Austrália, da África, da Índia e do Brasil, todos se entrelaçando, se conhecendo, querendo saber mais". Foi se formando um arquivo gigantesco e generoso.
Onde estarão as mangas diferentes, Silvestre? Acontece que o consumidor, (nós), temos uma queda pela fruta perfeita, grande, sem machucados. Pense naquela manga verde com manchas tenras, pretas. Ninguém compra se existe outra manga perfeita, sem fibras, doce também. Mas, e os sabores variados? E a manga-coquinho? Sumiram.
E as frutas do mato, então? Tem de ter pesquisa, tem de ter plantio, ou a fruta desaparece. É frágil? Viaja mal? Dá-lhe pesquisa. Há de ter um jeito de se tornar mais forte, de ser plantada mais perto... Como é que São Paulo perdeu o cambuci, que até apelidou um bairro pela sua quantidade?
Em qual fruta você votaria para representar o Brasil, Silvestre? Ele vota no caju, conhecido de norte a sul, economicamente importante, musa de poetas e pintores, escultores e artesãos, e que faz bela caipirinha.
Enfim, pelo quê luta o Silvestre? Luta pelas nossas referências, luta pelas frutas que se extinguem, luta para debelar a nossa profunda ignorância. (Das frutas da letra B do seu livro, acho que só reconheço a banana...). Pessoalmente, acho que quer provar o gosto do Éden. Bem, não há mal que sempre dure. Podemos remediar tudo com o novo "Frutas, Brasil, Frutas" (Empresa das Artes, fotos de Silvestre Silva e texto de Helena Tassara, 322 págs., R$ 130) que será lançado no dia 26 de outubro às 18h30 na Chácara Santa Cecília (r. Ferreira de Araújo, 601, SP, tel. 0/xx/11/3034-3910).


@ - ninahort@uol.com.br

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