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COMIDA
NINA HORTA
Gosto de fruta, Brasil
Silvestre Silva, o fotógrafo
das frutas, tem mais um livro.
Acho tão bonita a sua profissão,
aquela espera pela flor e pelo fruto, o momento do flash, do amarelão da jaca, da cor de gengiva
da goiaba.
Fico impressionada com as viagens constantes, de norte a sul, do
carro de boi à canoa, do avião ao
trem, as caminhadas a pé mato
adentro. O detetive das espécies
em extinção. O fotógrafo do pomar, aquele que nos devolve as
frutas desaparecidas.
Entrevistei o Silvestre, nem sei
como consegui, está sempre em
outro lugar, aparece por aqui,
tem seu tempo de safra em São
Paulo e logo foge chamado por
uma "fonte", um dos seus muitos
colaboradores que acaba de espreitar no mato a fruta estranha.
E lá vai ele ao mundaréu do Brasil afora.
Menino de Piedade do Paraopeba, Minas Gerais, calça curta,
bodoque na mão, comendo fruta
no pé, nenhum fotógrafo na família. Ele mesmo se intriga. Pequeno, já era curioso e gostava de coisas bonitas. Quando o pai se embrenhava no mato atrás de um
cavalo perdido, voltava com o
chapéu cheio de frutas diferentes
e lindas, que nos olhos do menino
eram um pequeno milagre. E
queria saber os nomes, a cara da
árvore, esmiuçava a semente, que
beleza, que gostosura...
Aos 17 anos já estava em São
Paulo, procurando emprego.
Comprou a primeira máquina
com dinheiro dele e saiu fotografando. Um dia sentiu falta de
uma fruta de infância, o bacupari. Foi procurar para comprar e
não achou. Quando conseguiu ir
de novo à terra em que nasceu,
não reconheceu a árvore.
"Meu Deus, como fui me esquecer da árvore de minha fruta preferida", morreu de vergonha e
preocupação. "Estou perdendo
minhas raízes. Isto não é bom." E
aí, acha ele, deu-se a coisa principal na sua vida. Começou a ler os
brasileiros, de olho nas frutas.
Guimarães Rosa, Euclydes da Cunha, Jorge Amado, tudo que lhe
caía nas mãos. Viu que outra fonte boa eram os velhos. Era só cutucar a lembrança que a infância
jorrava cheia de árvores a serem
achadas e fotografadas. Ali, naquele groto, no matinho lá adiante, na casa do Zé da Pipa, perto do
ribeirão, tinha um pé.
E assim foi fazendo uma rede de
informantes, velhos, moços, pesquisadores, caboclos, interessados, gulosos.
Publicou seu livro, "Frutas, Brasil, Frutas", o primeiro de um projeto de quatro, em 1991. Foi uma
vitrine. A partir dali o mundo começou a saber que ele existia.
Com a internet, então, foi uma
avalanche. "Quem diria", filosofa
o Silvestre, "que aquele menino
da roça faria a ponte entre pesquisadores da Austrália, da África, da Índia e do Brasil, todos se
entrelaçando, se conhecendo,
querendo saber mais". Foi se formando um arquivo gigantesco e
generoso.
Onde estarão as mangas diferentes, Silvestre? Acontece que o
consumidor, (nós), temos uma
queda pela fruta perfeita, grande,
sem machucados. Pense naquela
manga verde com manchas tenras, pretas. Ninguém compra se
existe outra manga perfeita, sem
fibras, doce também. Mas, e os sabores variados? E a manga-coquinho? Sumiram.
E as frutas do mato, então? Tem
de ter pesquisa, tem de ter plantio,
ou a fruta desaparece. É frágil?
Viaja mal? Dá-lhe pesquisa. Há
de ter um jeito de se tornar mais
forte, de ser plantada mais perto...
Como é que São Paulo perdeu o
cambuci, que até apelidou um
bairro pela sua quantidade?
Em qual fruta você votaria para
representar o Brasil, Silvestre? Ele
vota no caju, conhecido de norte a
sul, economicamente importante,
musa de poetas e pintores, escultores e artesãos, e que faz bela caipirinha.
Enfim, pelo quê luta o Silvestre?
Luta pelas nossas referências, luta
pelas frutas que se extinguem, luta para debelar a nossa profunda
ignorância. (Das frutas da letra B
do seu livro, acho que só reconheço a banana...). Pessoalmente,
acho que quer provar o gosto do
Éden. Bem, não há mal que sempre dure. Podemos remediar tudo
com o novo "Frutas, Brasil, Frutas" (Empresa das Artes, fotos de
Silvestre Silva e texto de Helena
Tassara, 322 págs., R$ 130) que será lançado no dia 26 de outubro
às 18h30 na Chácara Santa Cecília (r. Ferreira de Araújo, 601, SP,
tel. 0/xx/11/3034-3910).
@ - ninahort@uol.com.br
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