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Crítica/"A Scanner Darkly"
Diretor ironiza realismo em animação
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Com a exceção, talvez, de
"Blade Runner", o universo do escritor Philip
K. Dick foi sempre desnaturado
e maltratado nas tentativas de
sua transcrição para o cinema.
Com "A Scanner Darkly", no
entanto, o diretor Richard Linklater consegue preservar a aura da obra do escritor e fazer
um filme que remete diretamente aos tempos estranhos
em que vivemos.
Aqui, o elemento essencial da
narrativa são as alterações de
consciência. Seja por meio da
droga ou de tormentos psíquicos como paranóia, psicose e
esquizofrenia, o ponto de partida de Dick é mental, desde que
se entenda o termo como aquele sujeito às maiores e mais profundas formas de distorção.
Ou seja, qualquer sinal de
realismo passa a ser encarado
com suspeita. O golpe de inteligência de Linklater é traduzir
essa desconfiança na forma da
técnica cinematográfica que
adotou para produzir o filme.
"A Scanner Darkly" foi feito
originalmente com atores, encenado da maneira tradicional,
e, depois, cada um de seus fotogramas foi duplicado sob a forma de animação.
Para isso o diretor reutilizou
a técnica chamada rotoscopia,
que já usara com resultados
medianos em "Waking Life". Só
que aqui, em vez de um discurso pseudofilosófico sobre as camadas infinitas da realidade, é
a própria técnica que dilui os sinais evidentes de "realidade"
no material filmado para desdobrá-los na "irrealidade" da
animação.
Fluxo hipnótico
O resultado, do ponto de vista visual, é um fluxo hipnótico
de imagens fluidas e mutantes,
nas quais situações e personagens flutuam sem determinações aparentes e diante do qual
o espectador nunca encontra
um ponto estável que lhe permita julgar o que é real ou simulação, o que é experiência ou
imaginação/delírio.
Outro aspecto bem-sucedido
é o tratamento da trama. Em
vez de enfatizar o universo paralelo da ficção científica, tornando-o um sucedâneo metafórico do mundo em que vivemos, Linklater o rebaixou ao
mais elementar patamar do cotidiano. Os personagens perambulam, tomam cerveja,
conversam fiado e podem estar
(ou não) movidos a um tipo de
droga cujo efeito migra do sensorial para o físico, estabelecendo danos irreversíveis na
estrutura e no funcionamento
de seus cérebros.
Assim, ele aproxima de tal
maneira a visão paranóica de
Dick das nossas referências, cujo efeito mais imediato é conduzir o espectador a compreender que o universo do medo, da
perseguição e do controle absoluto dos corpos e das idéias não
tem mais nada de metafórico.
Ele já vigora sob o nosso modo
bem conhecido de uma rede de
intrigas constituída por pactos
escusos entre grandes corporações e um controle policial da
sociedade.
A SCANNER DARKLY
Direção: Richard Linklater
Onde: hoje, às 17h10, e seg., às 19h20,
no Reserva Cultural 2; dom., às 19h, no
Morumbi Shoppping
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