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análise
Maestro rompeu barreiras entre erudito e popular
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A
cultura brasileira deve muito, mais até do
que se costuma creditar, a Rogério Duprat. Figura de ponta em movimentos e eventos essenciais para
a modernização do cenário
musical do país, como a tropicália e o Manifesto Música
Nova, o ousado maestro paulista contribuiu ativamente
com seus arranjos e composições para que as tradicionais fronteiras estabelecidas
entre o erudito e o popular
fossem derrubadas.
Quem teve a sorte de conhecê-lo pessoalmente na
certa se impressionou com
sua simplicidade e bom humor. Ao ouvir um elogio, ou
mesmo uma simples alusão
ao papel revolucionário que
desempenhou na música
brasileira, o irreverente Duprat costumava surpreender
seu interlocutor:
"Entre o Zé das Couves e
eu não tem nenhuma diferença", retrucava, com uma
verve avessa a idolatrias e
convenções. Não foi por narcisismo que ele se aproximou
de tendências musicais como o dodecafonismo, o serialismo ou o happening, em diferentes fases de sua carreira. A busca do novo, do inusitado, sempre atraiu e divertiu Duprat.
Arte participativa
Insatisfeito com o ambiente conservador da música
clássica, no início dos anos
60, foi estudar música contemporânea com Stockhausen e Boulez, na Alemanha.
Em 1963, ao lado de Damiano Cozzela e Júlio Medaglia,
entre outros, lançou o "Manifesto Música Nova", cuja
plataforma propunha uma
arte mais participativa e a
compreensão do fenômeno
artístico como parte da indústria cultural.
Dois anos depois, Duprat
juntou-se ao poeta Décio
Pignatari, originalmente ligado ao concretismo, e vários adeptos do "Música Nova" para fundar o Marda
(Movimento de Arregimentação Radical em Defesa da
Arte). Inspirando-se nos
happenings de John Cage, o
grupo fazia debochadas "homenagens" a estátuas e monumentos de mau gosto.
Por essas e outras, em
1967, quando Gilberto Gil o
convidou a escrever o arranjo para a canção "Domingo
no Parque" (um dos marcos
iniciais do movimento tropicalista, que contou em sua
apresentação com os Mutantes), Duprat já não via graça
na criação musical em moldes tradicionais. Mas encontrou na parceria com os tropicalistas uma saída para fugir do tédio, trocando a música erudita pela popular.
Ironia
Basta ouvir as gravações da
tropicália para se notar como
ele se divertiu, utilizando em
seus criativos arranjos tudo o
que tinha exercitado antes.
Clássicos tropicalistas, como
a versão operística da cafona
"Coração Materno", gravada
por Caetano Veloso, ou o arranjo de "Parque Industrial",
de Tom Zé, que misturava
com ironia fragmentos do hino nacional e o jingle de um
analgésico, não teriam o
mesmo impacto sem as partituras de Duprat.
Com os Mutantes não foi
diferente: em gravações como "Dom Quixote", "Caminhante Noturno" ou "Fuga
nš 2", entre outras, os arranjos ousados de Duprat contribuíram decisivamente para que a banda pop paulista
soasse muito à frente de seu
tempo. Não à toa, é cultuada
até hoje.
Poucos sabem, mas o inventivo arranjador também
deixou sua marca em alguns
dos melhores discos de Chico Buarque, Nara Leão, Gal
Costa, Walter Franco, Erasmo Carlos e Ronnie Von, entre outros artistas.
Sem Duprat, a música brasileira vai ficar mais óbvia e
careta.
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