São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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LIVROS

Romance explora conflitos da mãe de assassino mirim

Cartas ao ex-marido revelam crime, suas conseqüências e rejeição da mãe ao filho

Para Shriver, tiroteios nas escolas acontecem por contágio; adolescentes buscam publicidade na TV, nos jornais e na internet

Lefteris Pitarakis - 7.mar.2007/Associated Press
A escritora americana Lionel Shriver, 50, vencedora do Prêmio Orange 2005 pelo romance "Precisamos Falar Sobre Kevin"

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Precisamos Falar Sobre Kevin" (Intrínseca; R$ 49,90, 464 págs.), não é mais um livro sobre o horror dos tiroteios em escolas americanas. O romance, que em 2005 deu à (até então) desconhecida americana Lionel Shriver, 50, o prestigioso Prêmio Orange, exclusivo para escritoras, funciona mais como um tratado de uma depressão pós-parto com causa.
Sua protagonista, Eva, escreve cartas para o ex-marido Franklin, em que levanta dúvidas sobre vocação maternal, importância de filhos no casamento e o peso da criação parental quando um adolescente, o Kevin do título, assassina sete colegas, uma professora e um funcionário de sua escola.
Em entrevista à Folha, Shriver conta que o romance surgiu da interseção de suas próprias dúvidas quanto à maternidade e crimes como o de Columbine, em 1999. Terminado o livro, ela preferiu não ter filhos. Leia a seguir trechos.

 

FOLHA - Os conflitos da maternidade são o tema principal do livro?
LIONEL SHRIVER
- Quando comecei a escrevê-lo, achei que seria mais sobre o fenômeno dos tiroteios. Mas descobri que estava mais interessada na experiência da maternidade, seus potenciais aspectos adversos e desafios. E queria abordar o assunto de modo mais realista do que a maior parte da ficção até então havia feito. Na literatura, esta relação em geral aparece sentimentalizada. "...Kevin" tecnicamente é um livro sobre tiroteio numa escola. Mas o que fez o livro alçar vôo, especialmente no Reino Unido, onde vendeu 600 mil cópias, foi mais a questão da maternidade...

FOLHA - No livro, você explora a idéia de rejeição ao filho, como algo até plausível...
SHRIVER
- Nas culturas ocidentais, a idéia de uma mãe que não gosta de seu próprio filho é intrinsecamente ofensiva. Falei com vários pais que, de modo geral, amavam seus filhos. Mas passaram por momentos em que não os amavam, estavam decepcionados, vivendo períodos de antagonismos. Quando se tem uma literatura que constantemente sentimentaliza essas relações, acho que é um alívio achar um livro que representa algumas das reais dificuldades e desafios da maternidade e da paternidade. Algo que vai além da ilusão de crianças felizes em volta da mesa.

FOLHA - Que papel suas próprias dúvidas quanto à maternidade tiveram ao escrever o livro?
SHRIVER
- O momento da minha vida em que considerei mais seriamente tê-los foi quando estava escrevendo este livro. Tinha 40 e poucos anos, fisicamente era provável que ainda pudesse ter filhos, mas o tempo estava passando. E isso tornou a questão da maternidade mais urgente no livro. Acho que no momento em que eu terminei de escrever já havia tirado a idéia de vez da cabeça. Funcionou como uma terapia.
Não espero que funcione assim também para quem estiver lendo. Mas acontece que as ansiedades que eu experimentei em relação à maternidade não são uma exclusividade minha. Futuros pais também se preocupam com a perda de identidade, perda de tempo e dúvidas se vão ou não se dar bem com seus filhos e em que medida você é responsável pelo que seu filho vem a ser...

FOLHA - Como um assassino, no caso de Kevin?
SHRIVER
- Eu tentei chegar a um mínimo possível de respostas. Mas acho que é óbvio o efeito do contágio desses casos. Não acredito que as crianças tiram a idéia do nada. Elas tiram umas das outras. As notícias nos jornais, na televisão e na internet são o veículo para o contágio. Quando você observa a proporção da atenção que deram para o tiroteio em Virginia Tech [abril de 2007], foi na mesma escala que Columbine. Parece uma espécie de encenação.
Acho que a cultura americana está tão orientada para celebridades de qualquer tipo, que ninguém mais parece se preocupar pelo que se é famoso. E é relativamente mais fácil conseguir uma arma e sair atirando em sua escola... É preciso ter um pouco de coragem e planejamento. Mas você não precisa trazer paz ao mundo ou fazer uma grande descoberta em física... Claramente toda esta publicidade inspira parte dos adolescentes a imaginar a si mesmos tendo este tipo de atenção. Provavelmente porque parte desta publicidade vem com uma solidariedade implícita.
Há muitas pessoas que se sentem negligenciadas e mal-entendidas. E, para elas, expressar simpatia com esses meninos é algo que as dignifica...


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