São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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TRECHO

O que deu em nós? Éramos tão felizes! Então por que motivo retiramos todas as nossas fichas e as pusemos nessa aposta ridícula de ter um filho? É claro que você considera a simples pergunta profana. Embora aos estéreis seja permitido se desfazer daquilo que é inatingível e dizer que as uvas estão verdes, é contra todas as regras ter um bebê e despender ainda que poucos minutos na contemplação daquela vida paralela na qual os filhos não existem, não é mesmo? Mas uma perversidade de Pandora me força a abrir o que é proibido. Tenho imaginação e gosto de lançar desafios a mim mesma. [...]Também já sabia disso a meu respeito: que eu era o tipo de mulher capaz, por mais terrível que fosse, de me arrepender de algo tão irrevogável quanto um ser humano. [...] Desculpe, mas você não pode esperar que eu evite o assunto. Posso não saber como chamar aquilo, aquela quinta-feira: atrocidade parece coisa tirada de jornal, incidente é minimizar de forma escandalosa, quase obscena, o que houve, e o dia em que nosso filho cometeu assassinato em massa é comprido demais para cada menção que eu fizer, certo? E eu vou fazer. Acordo com isso na cabeça todas as manhãs e durmo com isso todas as noites. É meu parco substituto para um marido.
Extraído de "Precisamos Falar Sobre Kevin", de Lionel Shriver


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