São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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Crítica/"35 Segredos para Chegar..."

Coletânea tenta subverter literatura de auto-ajuda

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Duas frases de Oscar Wilde vêm a calhar com o novo livro organizado por Ivana Arruda Leite, "35 Segredos para Chegar a Lugar Nenhum - Literatura de Baixo-Ajuda". As frases são: "Toda arte é inútil" e "A única coisa necessária é o supérfluo".
Toda boa arte é verdadeiramente inútil: em sua subversão da linguagem funcional, só a inutilidade da linguagem literária é que serve a algo. E num mundo em que tudo se justifica pela necessidade, o apego ao supérfluo, ao desnecessário (um botão, uma flor velha, uma palavra bonita) também é um gesto que desordena a rotina e, por isso, a enriquece.
Lembrando mais uma frase, esta de um pianista uruguaio, Jorge Zulueta: "Alguma vez atire também algo útil e belo em sua lata de lixo". É isso. O maior mérito do livro organizado por Ivana Arruda, que reúne Fernando Bonassi, André Sant'Anna, Antonio Prata, Beatriz Bracher, Cintia Moscovich e outros, é justamente mostrar como a literatura que se assume descaradamente como útil (a de auto-ajuda), é, no mau sentido da palavra, a mais inútil.
O livro também poderia se chamar, parodiando o conhecido rock, "a gente somos útil", e é por isso que a auto-ajuda é tão predatória à grande literatura. Pois o indivíduo só pode pensar em começar a se ajudar a partir do inútil. O útil, a auto-ajuda, só chove no molhado.
Assim, no livro, encontramos vários textos em forma de manual (paródia do absurdo da auto-ajuda) que nos ensinam "como manter elegância enquanto seu marido dá em cima de outra"; "sete passos para mulheres medíocres capturarem um homem idem"; "seja um teleoperador de sucesso"; "como a classe média deve tratar os ricos no Brasil" e por aí vai.
Em "Como ganhar um jabuti", a autora Andrea del Fuego aconselha: "Pega bem não ir a todos os eventos; de vez em quando, não vá. Não passe dos 80 quilos, não deixe pensar que é ansioso. Se for mulher, não passe a idéia de que a bunda caiu e use meias Kendall."
Já Mario Bortolotto, falando sobre a praça "Loservelt", freqüentada sobretudo por orgulhosos "losers", diz que lá habitam "escritores venerados pela crítica e sem dinheiro para comer uma esfiha", que freqüentam o "bar do "Trovão", onde é possível ouvir jazz e falar mal dos caras que fazem sucesso".
Mas a desigualdade dos textos, que vão de cupins a sexo oral, da melancolia ao escracho, desequilibra o livro como uma unidade e, às vezes, descumpre o intento de ridicularizar a mania de auto-ajuda.


35 SEGREDOS PARA CHEGAR A LUGAR NENHUM - LITERATURA DE BAIXO-AJUDA
Organização: Ivana Arruda Leite
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 27 (168 págs.)
Avaliação: bom



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