São Paulo, sábado, 27 de outubro de 2007

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Crítica/"Canções de Amor"

"Falsos cantores" dão tom a filme cativante

Musical de Christophe Honoré atualiza estilo de Jacques Demy e reverencia François Truffaut e Jean-Luc Godard

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

"Mesmo que os cantores sejam falsos, serão bonitas, não importa/ São bonitas as canções/ Mesmo sendo errados os amantes, seus amores serão bons." Os versos de "Choro Bandido", de Chico Buarque e Edu Lobo, bem que poderiam servir de epígrafe para "Canções de Amor", singular experiência musical dirigida por Christophe Honoré.
Belas canções interpretadas por "falsos cantores" formam a espinha dorsal do filme, uma atualização imperfeita, porém apaixonante, do cinema de Jacques Demy ("Os Guarda-chuvas do Amor", "Duas Garotas Românticas").
Os quatro jovens atores principais -Louis Garrel, Ludivine Sagnier, Chiara Mastroianni e Clotilde Hesme- podem não ter a voz de uma Edith Piaf ou de um Charlez Aznavour, mas são perfeitamente capazes de levar adiante a proposta de um musical fluido, feito nas ruas, em que a canção brota como necessidade dos personagens, como se fosse a única forma possível de expressar aquele sentimento, naquele momento. Os "falsos" cantores vivem amantes "errados", personagens inebriados por um sentimento que os ultrapassa, entregues ao desejo e ao acaso.
Christophe Honoré alcança um efeito estranho para um musical, em que a espontaneidade e a surpresa substituem o artificialismo e a previsibilidade tradicionalmente ligados ao gênero. Essa sensação talvez venha da própria concepção do filme: quase todas as músicas (ao todo, são 13 canções de Alex Beaupain) vieram antes de tudo -personagens e a história foram criados a partir delas. O filme transparece um sentimento de urgência que fez parte de seu próprio modo de produção. A trama dá reviravoltas inesperadas e aparentemente "inadequadas" a um musical; os personagens tomam decisões abruptas, à primeira vista incoerentes. Não há um "roteiro" bem amarrado no sentido (r)estrito do termo.
Da mesma forma, as filmagens foram rápidas, realizadas em cenários reais; a finalização, mais rápida ainda: um mês antes da première, que se deu em maio, na competição do Festival de Cannes, os atores ainda estavam no set.
Não por acaso, referências a Truffaut ("Beijos Roubados") e Godard ("Uma Mulher É uma Mulher", sobretudo) pipocam aqui e ali. "Canções de Amor" é um musical com espírito de nouvelle vague, que talvez só se ressinta da falta de um Michel Legrand (e às vezes é inevitável pensar como um "score" de músicas brasileiras não daria um "upgrade" ao filme...).
Por tudo isso, "Canções de Amor" é um filme muito longe da perfeição -mas que se estivesse mais perto dela, certamente, não teria o mesmo poder cativante.


CANÇÕES DE AMOR
Produção: França
Direção: Christophe Honoré
Com: Louis Garrel, Ludivine Sagnier, Chiara Mastroianni
Quando: hoje, às 22h50, no Cine Bombril; amanhã, às 20h30, no Memorial da América Latina, ter., às 21h50, e qui., às 18h50, na Cinemateca
Avaliação: bom



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