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Crítica/"Canções de Amor"
"Falsos cantores" dão tom a filme cativante
Musical de Christophe Honoré atualiza estilo de Jacques Demy e reverencia François Truffaut e Jean-Luc Godard
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
"Mesmo que os cantores sejam falsos, serão bonitas, não importa/ São bonitas
as canções/ Mesmo sendo errados os amantes, seus amores
serão bons." Os versos de "Choro Bandido", de Chico Buarque
e Edu Lobo, bem que poderiam
servir de epígrafe para "Canções de Amor", singular experiência musical dirigida por
Christophe Honoré.
Belas canções interpretadas
por "falsos cantores" formam a
espinha dorsal do filme, uma
atualização imperfeita, porém
apaixonante, do cinema de Jacques Demy ("Os Guarda-chuvas do Amor", "Duas Garotas
Românticas").
Os quatro jovens atores principais -Louis Garrel, Ludivine
Sagnier, Chiara Mastroianni e
Clotilde Hesme- podem não
ter a voz de uma Edith Piaf ou
de um Charlez Aznavour, mas
são perfeitamente capazes de
levar adiante a proposta de um
musical fluido, feito nas ruas,
em que a canção brota como
necessidade dos personagens,
como se fosse a única forma
possível de expressar aquele
sentimento, naquele momento. Os "falsos" cantores vivem
amantes "errados", personagens inebriados por um sentimento que os ultrapassa, entregues ao desejo e ao acaso.
Christophe Honoré alcança
um efeito estranho para um
musical, em que a espontaneidade e a surpresa substituem o
artificialismo e a previsibilidade tradicionalmente ligados ao
gênero. Essa sensação talvez
venha da própria concepção do
filme: quase todas as músicas
(ao todo, são 13 canções de Alex
Beaupain) vieram antes de tudo -personagens e a história
foram criados a partir delas.
O filme transparece um sentimento de urgência que fez
parte de seu próprio modo de
produção. A trama dá reviravoltas inesperadas e aparentemente "inadequadas" a um musical; os personagens tomam decisões abruptas, à primeira
vista incoerentes. Não há um
"roteiro" bem amarrado no
sentido (r)estrito do termo.
Da mesma forma, as filmagens foram rápidas, realizadas
em cenários reais; a finalização,
mais rápida ainda: um mês antes da première, que se deu em
maio, na competição do Festival de Cannes, os atores ainda
estavam no set.
Não por acaso, referências a
Truffaut ("Beijos Roubados") e
Godard ("Uma Mulher É uma
Mulher", sobretudo) pipocam
aqui e ali. "Canções de Amor" é
um musical com espírito de
nouvelle vague, que talvez só se
ressinta da falta de um Michel
Legrand (e às vezes é inevitável
pensar como um "score" de
músicas brasileiras não daria
um "upgrade" ao filme...).
Por tudo isso, "Canções de
Amor" é um filme muito longe
da perfeição -mas que se estivesse mais perto dela, certamente, não teria o mesmo poder cativante.
CANÇÕES DE AMOR
Produção: França
Direção: Christophe Honoré
Com: Louis Garrel, Ludivine Sagnier,
Chiara Mastroianni
Quando: hoje, às 22h50, no Cine Bombril; amanhã, às 20h30, no Memorial da
América Latina, ter., às 21h50, e qui.,
às 18h50, na Cinemateca
Avaliação: bom
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