São Paulo, Sábado, 27 de Novembro de 1999


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Diretor belga exibe os deserdados europeus

AMIR LABAKI
enviado especial a Amsterdã

Primeiro veio o surpreendente triunfo em Cannes 99, com o drama social "Rosetta" dos irmãos Dardenne. Agora, Amsterdã lança o documentário "Les Enfants du Borinage - Lettre à Henri Storck" (Os Filhos de Borinage -Carta a Henri Storck) de Patric Jean, dentro da mostra competitiva de vídeo. Os deserdados da União Européia são os protagonistas do novo cinema belga.
"Os Filhos de Borinage" celebra um dos maiores clássicos do documentarismo social europeu, "Misère au Borinage" (Miséria em Borinage), dirigido em 1933 por Henri Storck (1907-99), morto em setembro último, em parceria com o mestre holandês Joris Ivens (1898-1989). O filme original retratava a pobreza disseminada numa região carvoeira belga.
Sessenta anos depois, Patric Jean, nascido em Borinage, revisita a locação de Storck e Ivens. Suas imagens são ainda mais desoladoras. Desde os anos 70 foram desativadas as minas de carvão. Nenhuma atividade econômica a sucedeu.
Os cortiços e favelas persistem. A fome também. Os moradores respondem com silêncio às tentativas de aproximação do cineasta. Um deles cede para criticá-lo: "Só quem passa fome entende os que passam fome".
Jean defende-se recorrendo a uma narração que não raras vezes vira sermão. É o ponto fraco do filme. "Os Filhos de Borinage" já seria suficientemente forte restringindo-se aos sons, imagens e raros depoimentos lá captados.
São flagrantes comuns nas arrogantes reportagens sobre o Terceiro Mundo. Paupérrima, uma mulher manda um de seus quatro filhos, absolutamente normal, para uma escola para retardados. Um desempregado analfabeto lembra que, na infância, teve o mesmo destino.
Uma prostituta irada denuncia a própria mãe. Aos 14 anos, foi por ela oferecida a três marmanjos para saldar uma dívida de pôquer. Na sequência, foi violentada também por seus dois irmãos. "Rosetta", nota-se, nada tem de ficção.
A herança de Storck é aqui celebrada não apenas pelo engajado vídeo de Jean. Uma sessão em louvor de sua memória apresenta amanhã quatro de seus quase cem filmes.
Entre 1927 e 1985, Storck rodou documentários sociais, inúmeros títulos sobre arte e folclore belga e chegou até a filmar uma reportagem no Brasil de JK. Ao lado de John Grierson e Joris Ivens, foi um dos pioneiros do gênero, ainda na era muda, tornando-se um de seus grandes articuladores internacionais no pós-guerra.


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