|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVRO
Obra organizada por Maureen Bisilliat relata histórias de internos do maior presídio da América Latina, extinto em 2002
"Aqui Dentro" ecoa as vozes da Detenção
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
"Ratatatá, mais um metrô vai
passar/ Com gente de bem, apressada, católica/ (...) Olhando pra
cá, curioso, é lógico/ Não, não é
não, não é um zoológico."
A partir da próxima segunda-feira, com o lançamento de "Aqui
Dentro - Páginas de uma Memória: Carandiru", o (aqui fora) pouco conhecido cotidiano dos presos da extinta Casa de Detenção
de São Paulo, que foi explicitado
em parte em música dos Racionais MC's, ganha as letras escritas.
O livro, organizado e editado
pela fotógrafa inglesa radicada no
Brasil Maureen Bisilliat, 73, é o resultado de 80 horas de entrevistas
gravadas em vídeo e em cassete
por Sophia Bisilliat, 40, fotógrafa e
filha de Maureen, e André Caramante, 26, repórter do jornal
"Agora SP", ilustrado por imagens de autoria de João Wainer,
27, fotógrafo da Folha.
Uma idéia do que é o projeto:
"O primeiro título que pensamos
para o livro foi "A Necessidade de
Narrar". Porque nós falamos pouco, mas escutamos muito", diz
Maureen.
Para ouvir centenas dos 7.500
presos que estavam confinados
nos sete pavilhões da Detenção,
Sophia e Caramante obtiveram
autorização oficial (por meio da
Secretaria de Administração Penitenciária) e não-oficial (do PCC,
Primeiro Comando da Capital)
para circular livremente pela cadeia, por suas celas, pátios, igrejas,
terreiro de umbanda, enfermaria,
campo de futebol... Sempre sozinhos, sem o acompanhamento de
funcionários. E tudo de abril de
2001 a setembro de 2002, quando
a Detenção foi desativada.
"Mas antes, para ganharmos a
confiança dos presos, ficamos três
meses negociando com os líderes
dos detentos, explicando que a intenção não era a de julgá-los; queríamos mostrar o dia-a-dia da Detenção, escutá-los, dar uma voz a
eles", afirma Caramante.
Pelas entrevistas saltam histórias sobre como a Detenção rege a
vida dos presos; são relatos de
seus sentimentos e de sua rotina: a
ansiedade para o dia de visita, as
regras de respeito com os colegas,
amizades, traição (veja texto abaixo). Os "narradores" são identificados pelo primeiro nome ou
apelido; não se sabe por que estão
ali. Os entrevistadores não emitem juízo de valor, mas deixam
claro que não suavizaram a imagem de ninguém.
"Eles estavam lá porque cometeram um crime, mas são pessoas
como qualquer outra", diz Sophia. "Não temos pena deles. E
nem eles querem que tenhamos.
Mas às vezes eles mesmos se perguntavam: "Será que tenho salvação?". A maioria tem muita vergonha dos crimes que cometeu."
Com o livro pronto, o grupo negocia financiamentos para a realização de um documentário. Maureen ambiciona um pouco mais:
"Quero criar fragmentos de cinco
minutos, para serem veiculados
no rádio e na TV, com depoimentos dos presos. Reviver a vitalidade deles através da síntese".
AQUI DENTRO - PÁGINAS DE UMA
MEMÓRIA: CARANDIRU. Edição:
Maureen Bisilliat. Documentação:
Sophia Bisilliat, André Caramante, João
Wainer. Editora: Fundação Memorial da
América Latina e Imprensa Oficial.
Quanto: R$ 60 (260 págs.). Lançamento:
1º/12, às 19h, livraria Cultura (av.
Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4040).
Texto Anterior: Erudito/crítica: Almeida Prado, ou a substância da circunstância Próximo Texto: Depoimentos "tiram o horror" Índice
|