UOL


São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVRO

Obra organizada por Maureen Bisilliat relata histórias de internos do maior presídio da América Latina, extinto em 2002

"Aqui Dentro" ecoa as vozes da Detenção

THIAGO NEY
DA REDAÇÃO

"Ratatatá, mais um metrô vai passar/ Com gente de bem, apressada, católica/ (...) Olhando pra cá, curioso, é lógico/ Não, não é não, não é um zoológico."
A partir da próxima segunda-feira, com o lançamento de "Aqui Dentro - Páginas de uma Memória: Carandiru", o (aqui fora) pouco conhecido cotidiano dos presos da extinta Casa de Detenção de São Paulo, que foi explicitado em parte em música dos Racionais MC's, ganha as letras escritas.
O livro, organizado e editado pela fotógrafa inglesa radicada no Brasil Maureen Bisilliat, 73, é o resultado de 80 horas de entrevistas gravadas em vídeo e em cassete por Sophia Bisilliat, 40, fotógrafa e filha de Maureen, e André Caramante, 26, repórter do jornal "Agora SP", ilustrado por imagens de autoria de João Wainer, 27, fotógrafo da Folha.
Uma idéia do que é o projeto: "O primeiro título que pensamos para o livro foi "A Necessidade de Narrar". Porque nós falamos pouco, mas escutamos muito", diz Maureen.
Para ouvir centenas dos 7.500 presos que estavam confinados nos sete pavilhões da Detenção, Sophia e Caramante obtiveram autorização oficial (por meio da Secretaria de Administração Penitenciária) e não-oficial (do PCC, Primeiro Comando da Capital) para circular livremente pela cadeia, por suas celas, pátios, igrejas, terreiro de umbanda, enfermaria, campo de futebol... Sempre sozinhos, sem o acompanhamento de funcionários. E tudo de abril de 2001 a setembro de 2002, quando a Detenção foi desativada.
"Mas antes, para ganharmos a confiança dos presos, ficamos três meses negociando com os líderes dos detentos, explicando que a intenção não era a de julgá-los; queríamos mostrar o dia-a-dia da Detenção, escutá-los, dar uma voz a eles", afirma Caramante.
Pelas entrevistas saltam histórias sobre como a Detenção rege a vida dos presos; são relatos de seus sentimentos e de sua rotina: a ansiedade para o dia de visita, as regras de respeito com os colegas, amizades, traição (veja texto abaixo). Os "narradores" são identificados pelo primeiro nome ou apelido; não se sabe por que estão ali. Os entrevistadores não emitem juízo de valor, mas deixam claro que não suavizaram a imagem de ninguém.
"Eles estavam lá porque cometeram um crime, mas são pessoas como qualquer outra", diz Sophia. "Não temos pena deles. E nem eles querem que tenhamos. Mas às vezes eles mesmos se perguntavam: "Será que tenho salvação?". A maioria tem muita vergonha dos crimes que cometeu."
Com o livro pronto, o grupo negocia financiamentos para a realização de um documentário. Maureen ambiciona um pouco mais: "Quero criar fragmentos de cinco minutos, para serem veiculados no rádio e na TV, com depoimentos dos presos. Reviver a vitalidade deles através da síntese".


AQUI DENTRO - PÁGINAS DE UMA MEMÓRIA: CARANDIRU. Edição: Maureen Bisilliat. Documentação: Sophia Bisilliat, André Caramante, João Wainer. Editora: Fundação Memorial da América Latina e Imprensa Oficial. Quanto: R$ 60 (260 págs.). Lançamento: 1º/12, às 19h, livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/3170-4040).


Texto Anterior: Erudito/crítica: Almeida Prado, ou a substância da circunstância
Próximo Texto: Depoimentos "tiram o horror"
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.