São Paulo, domingo, 27 de novembro de 2005

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CINEMA

"A Via Láctea" trata a cidade como personagem

São Paulo surge "em plena forma" no novo longa de Lina Chamie

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um grande amor não vai morrer assim, num telefonema encerrado sem despedidas. É o que decide Heitor, 42, quando ouve de sua jovem namorada, Júlia, 22, que o fim chegou -do sentimento e da relação.
Heitor (Marco Ricca) resolve ir até Júlia (Alice Braga) e disso decorre "um corpo-a-corpo com São Paulo, que invade a tela em plena forma, com suas belezas e feiúras", como descreve a cineasta Lina Chamie.
Na história desse imaginário professor de literatura, mais exatamente em seu "mergulho em direção ao destino amoroso", Chamie ancora "A Via Láctea".
Este é o primeiro filme da diretora após a estréia com "Tônica Dominante" (2001). Não deixa de ser amoroso o olhar que ela lança sobre São Paulo, em que pese a presença do trânsito que não anda, da miséria estacionada nos sinais e da violência que acossa os motoristas.
No roteiro, assinado por Aleksei Abib e pela própria diretora -filha do poeta Mário Chamie-, a literatura muitas vezes é contraste à aridez da paisagem e meio de tradução dos afetos dos personagens.
Um trecho: "De volta ao trânsito. Heitor olha os carros parados ao seu lado. Em seguida, vê um livro jogado no banco de passageiros. Angustiado, abre o livro mecanicamente. Em close, o título da página: "Na doce calma dos teus braços'".
Mergulhar a câmera em São Paulo e apostar no tom "semidocumental" para seu filme foi uma decisão de Lina em parte determinada pelas contingências.
"Não tenho dinheiro para fazer meu engarrafamento de 50 carros", diz a diretora. Limite imposto, a equipe agora capricha na torcida para que os corriqueiros "pontos de retenção" no trânsito paulistano coincidam com o percurso de Heitor pelas ruas.
(Leia no quadro abaixo as regiões da cidade em que "A Via Láctea" está sendo filmado.)

Engarrafamento
Lina produziria seu próprio engarrafamento se houvesse conseguido o orçamento original estimado para o filme (cerca de R$ 1 milhão). Mas, em dois anos e meio de tentativas, não ultrapassou os R$ 430 mil, obtidos num concurso estadual.
"Até certo ponto, a espera é criativa. Depois, não", diz Lina, demarcando o fim de outro sentimento -não o amor, mas a paciência. O tom da cineasta, no entanto, não é de reclamação. "Estou feliz. Estou filmando. E exatamente com os atores que queria."
Quando Marco Ricca e Alice Braga dizem que quiseram muito fazer este filme, a afirmação não soa como a mecânica ladainha dos atores que exaltam os projetos em que se envolvem.
No ar na novela "Bang Bang" (das 19h, na Globo), gravada no Rio de Janeiro, Ricca anda fazendo malabarismos na agenda para filmar em São Paulo.
"Não faço mais cinema se quem me convida não tiver paciência de me agüentar como um colaborador. Gosto de um roteiro em que não estejam todos os códigos", afirma ele.
Produtor e ator de "Crime Delicado", quarto longa do cineasta Beto Brant, com estréia prevista para janeiro de 2006, Ricca se prepara para dirigir seu primeiro filme, também no ano que vem. A história ele ainda não comenta, mas o cenário será São Paulo.

"Aprendizado"
Alice -a "cocota" de "Cidade de Deus", que atualmente está em cartaz entre os amores de Lázaro Ramos e Wagner Moura em "Cidade Baixa"- tem planos de fazer um parêntese na (meteórica) carreira de atriz de cinema para estudar interpretação.
Adiou a idéia porque avaliou que "trabalhar com Lina seria um aprendizado". Alice também quis contrapor à prostituta Carina de "Cidade Baixa" uma personagem como a veterinária Júlia, "segura, decidida, que sabe o que quer".
Entre um filme e outro, Alice atuou na produção internacional realizada no Brasil "The Journey to the End of the Night", ao lado do rapper Mos Def. Ricca acaba de filmar, com Cacá Diegues, "O Maior Amor do Mundo", em que seu personagem aparece dos 30 aos 68 anos de idade. "Foi fácil. Estou no meio [das idades]", diz.


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