|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
"Cidade dos Homens" escapa de estereótipos
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
São só mais três episódios e
"Cidade dos Homens" encerra sua carreira na TV. Pára em
boa hora: os ótimos atores Douglas Silva e Darlan Cunha estão
crescendo, virando adultos, e o
tom do seriado é inequivocamente juvenil.
Não vai aí nenhum traço de
mau humor, pelo contrário: um
dos pulos do gato do seriado é
manter os traços de jovialidade
dos personagens Acerola e Laranjinha, por mais que a barra
pese em torno deles.
É um duplo triunfo o de "Cidade dos Homens". Ao mesmo
tempo em que não edulcora nem
folcloriza a realidade de exclusão
e violência da favela, logra também lidar de maneira justa, equilibrada e verossímil com personagens jovens. Há muito poucos
exemplos na ficção de TV brasileira de personagens adolescentes e jovens que não pareçam saídos de pesquisas publicitárias ou
do pior pesadelo de pais caretas.
Acerola e Laranjinha representam um desafio ainda maior,
uma vez que são jovens que não
estão em nenhum dos lugares
mais ou menos conhecidos: não
são da classe média, não são infratores, não são do tráfico, não
são menores abandonados. São
dois garotos, como muitos outros na periferia das grandes cidades, que tangenciam as marcas
mais terríveis da desigualdade
social, como o abandono da família, o crime, a pobreza extrema, mas ao mesmo tempo se inserem de maneira muito errática
naquilo que constitui uma espécie de "normalidade", representada pela escola, pelo mundo do
trabalho regular, pelo consumo.
Ou seja, além estarem no território imprevisível da juventude,
Acerola e Laranjinha são de uma
realidade ainda muito carente de
decodificação de qualquer espécie. Claro, o livro e o filme "Cidade de Deus", matrizes de "Cidade
dos Homens", são das mais consistentes investidas na representação desse universo. Mas talvez
a série de TV, curiosamente, tenha dado um passo além nesse
sentido.
No seriado, há uma bem-sucedida tentativa de lidar com convenções das narrativas infanto-juvenis -a idéia das peripécias,
de executar um plano meio mirabolante para escapar de um personagem mais poderoso, o personagem que é mais atrapalhado, aquele que é mais compenetrado, a moça como mais "madura" que os rapazes-, em um
ambiente em tudo hostil à idéia
de infância e de adolescência.
O contraste entre uma certa leveza e ingenuidade dos personagens e suas aventuras com o registro cru de cenários, tipos e situações cria uma espécie de curto-circuito estimulante.
Mesmo em um episódio mais
tenso que a média, como o que
marcou o início da terceira temporada ("A Fila", dirigido por
Roberto Moreira), há essa fricção
entre elementos cômicos e dramáticos que deixa o espectador
com mais interrogações do que
certezas.
E esse negócio de fazer pensar,
em TV, é um feito raro.
@ - biabramo.tv@uol.com.br
Texto Anterior: Coleção Folha: Próximo CD traz riqueza melódica de Vivaldi e cosmopolitismo de Bach Próximo Texto: Novelas da semana Índice
|