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"Batismo de Sangue" leva tortura à tela
Longa de Helvécio Ratton baseado em livro de Frei Betto faz público chorar no 39º Festival de Brasília
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
Até a sexta-feira passada, o
Festival de Brasília apresentou
filmes que agradaram progressivamente à platéia -"Jardim
Ângela" (Evaldo Mocarzel),
"Querô" (Carlos Cortez), "O
Engenho de Zé Lins" (Vladimir
Carvalho), pela ordem.
Na noite de sábado, surgiu o
concorrente que emocionou
este 39º festival: "Batismo de
Sangue", de Helvécio Ratton.
Ao fim da sessão, sob fortes
aplausos, havia os que lacrimejavam e os que choravam copiosamente, como a atriz Dira
Paes, do elenco de "Baixio das
Bestas", atração de ontem.
Enquanto era cumprimentado por espectadores, Frei Betto, autor do livro no qual o filme
se baseia, disse à Folha: "Precisamos manter viva a memória
da ditadura militar, para que isso não se repita no futuro do
Brasil. Esquecer é injusto. Não
queremos vingança, mas precisamos acertar as contas com o
nosso passado".
Ratton contou que a idéia de
realizar o filme surgiu em
2002, quando ele recebeu de
Frei Betto um exemplar da nova edição da obra, "com uma
dedicatória que era mais um
desafio: "Helvécio, coragem! A
realidade extrapola a ficção'".
"Batismo de Sangue" relata
as prisões e torturas de frades
dominicanos que apoiaram a
luta civil armada contra a ditadura militar brasileira. O filme
se debruça sobretudo sobre a
trajetória de Frei Tito (Caio
Blat), que se suicidou durante o
exílio na França, em 1974, perturbado por visões persecutórias do delegado Fleury (Cássio
Gabus Mendes), que o prendeu
e ordenou sua tortura.
"Esse filme é a desconstrução de um gesto", disse Ratton.
"Não é função do cinema informar que Frei Tito se suicidou
aos 29 anos. Essa informação
está dada. O que me interessava era decifrar esse personagem. Por que alguém que já havia se livrado da prisão não
consegue se libertar do que
ocorre dentro dele e se mata?"
"Batismo de Sangue" exibe,
em detalhes, a tortura de Tito e
dos outros frades de quem a
equipe de Fleury arrancou informações sobre o contato dos
religiosos com o guerrilheiro
Carlos Marighella, que resultaram em seu assassinato.
"A tortura até hoje no cinema brasileiro é tratada de forma ilustrativa; sem função dramatúrgica. O processo da tortura tem de ser entendido em
seus efeitos sobre a pessoa, na
quebra da vontade. É preciso
mostrá-la de forma contundente", afirma o cineasta.
Antes da sessão, Ratton afirmou: "Acho que agora posso dizer ao Betto que a ficção se
apropriou da realidade". Após
o filme, o religioso disse: "Infelizmente, o governo não abriu
os arquivos da repressão, mas a
arte brasileira está abrindo".
A jornalista SILVANA ARANTES viajou a convite do Festival de Brasília
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