São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 2006

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"Batismo de Sangue" leva tortura à tela

Longa de Helvécio Ratton baseado em livro de Frei Betto faz público chorar no 39º Festival de Brasília

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Até a sexta-feira passada, o Festival de Brasília apresentou filmes que agradaram progressivamente à platéia -"Jardim Ângela" (Evaldo Mocarzel), "Querô" (Carlos Cortez), "O Engenho de Zé Lins" (Vladimir Carvalho), pela ordem.
Na noite de sábado, surgiu o concorrente que emocionou este 39º festival: "Batismo de Sangue", de Helvécio Ratton. Ao fim da sessão, sob fortes aplausos, havia os que lacrimejavam e os que choravam copiosamente, como a atriz Dira Paes, do elenco de "Baixio das Bestas", atração de ontem.
Enquanto era cumprimentado por espectadores, Frei Betto, autor do livro no qual o filme se baseia, disse à Folha: "Precisamos manter viva a memória da ditadura militar, para que isso não se repita no futuro do Brasil. Esquecer é injusto. Não queremos vingança, mas precisamos acertar as contas com o nosso passado".
Ratton contou que a idéia de realizar o filme surgiu em 2002, quando ele recebeu de Frei Betto um exemplar da nova edição da obra, "com uma dedicatória que era mais um desafio: "Helvécio, coragem! A realidade extrapola a ficção'".
"Batismo de Sangue" relata as prisões e torturas de frades dominicanos que apoiaram a luta civil armada contra a ditadura militar brasileira. O filme se debruça sobretudo sobre a trajetória de Frei Tito (Caio Blat), que se suicidou durante o exílio na França, em 1974, perturbado por visões persecutórias do delegado Fleury (Cássio Gabus Mendes), que o prendeu e ordenou sua tortura.
"Esse filme é a desconstrução de um gesto", disse Ratton. "Não é função do cinema informar que Frei Tito se suicidou aos 29 anos. Essa informação está dada. O que me interessava era decifrar esse personagem. Por que alguém que já havia se livrado da prisão não consegue se libertar do que ocorre dentro dele e se mata?" "Batismo de Sangue" exibe, em detalhes, a tortura de Tito e dos outros frades de quem a equipe de Fleury arrancou informações sobre o contato dos religiosos com o guerrilheiro Carlos Marighella, que resultaram em seu assassinato.
"A tortura até hoje no cinema brasileiro é tratada de forma ilustrativa; sem função dramatúrgica. O processo da tortura tem de ser entendido em seus efeitos sobre a pessoa, na quebra da vontade. É preciso mostrá-la de forma contundente", afirma o cineasta. Antes da sessão, Ratton afirmou: "Acho que agora posso dizer ao Betto que a ficção se apropriou da realidade". Após o filme, o religioso disse: "Infelizmente, o governo não abriu os arquivos da repressão, mas a arte brasileira está abrindo".


A jornalista SILVANA ARANTES viajou a convite do Festival de Brasília


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