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CECILIA GIANNETTI
Lego manicomial de cronista
Em 1919, Lima Barreto foi internado no Hospício Pedro 2º, onde também fui interna quando cursava jornalismo
LIMA BARRETO estreou no "Correio da Manhã" em 1905, com
uma série de reportagens sobre as primeiras escavações no morro do Castelo, primeiro local de ocupação do Rio de Janeiro, após a
transferência da vila montada no
Morro Cara de Cão, na Urca. Em
1920, o escritor questionou a demolição total proposta pelo prefeito-engenheiro Carlos Sampaio. Em
1922, por ocasião do centenário da
Independência do Brasil, Lima escreveu em "Careta" que o povo carioca só se interessava por futebol e
fogos (além das paradas militares).
Em 1919, foi internado no Hospício Pedro 2º, onde também fui interna enquanto cursava jornalismo,
nas dependências do manicômio
herdadas pela Escola de Comunicação da UFRJ - gosto de lembrar.
"Correio da Noite", 19/01/1915:
"Infelizmente, nos preocupamos
muito com os aspectos externos,
com as fachadas, e não com o que há
de essencial nos problemas da nossa
vida urbana, econômica, financeira
e social". Lima criticava, então, numa antiga folha carioca, a fixação do
prefeito Pereira Passos -que governara a cidade entre 1902 e 1906
-pelo embelezamento dos seus
"passeios", em detrimento de preocupar-se com medidas para solucionar o caos urbano. Claro, ainda não
se tratava de violência pulp, avassaladora. Eram as chuvaradas de verão, que destruíam casas e alagavam
ruas, como em 1915 seguiram fazendo e o fazem ainda hoje.
Quase um século atrás, o estrago
causado pelas chuvas já era assunto
recorrente nos textos de cronistas
que decidiam implicar com certas
manias dos administradores da cidade. Como a de transformar o Rio
de numa Paris dos trópicos, idéia
que não pode ser atribuída exclusivamente a Passos -chegou a empolgar prefeitos birutas mundo afora.
Naquela espécie de concurso megalomaníaco para ver quem construía as melhores réplicas de boulevards da capital francesa, como se as
cidades fossem feitas de peças de
Lego, Pereira Passos aloprou: remodelou o Rio, removeu cortiços e expulsou o "excedente" da população
do Centro. Mas deixou de fora da reforma o morro do Castelo. O prefeito não gostava das cabras, galinhas e
porcos, nem das roupas penduradas
em varais desordenados que podiam
ser vistos da sua avenida Central,
aberta em 1906 à custa da destruição
de uma parte do Castelo. Considerava o local um problema de saúde pública, que deixaria para seu sucessor.
Quatorze anos após a administração de Passos, o prefeito-engenheiro
também não gostava nem um pouco
daquela montanha salpicada de pobres. Derrubou-a inteirinha, arrasando o bairro da Misericórdia, que
ficava no sopé, e duas áreas residenciais paupérrimas que haviam resistido à "higienização" de Passos.
No próximo dia 14, será inaugurado no exato local onde ficava o morro um estacionamento para 250 carros, com direito a bicicletário e elevadores. Cada época com seus dramas? Não. É cumulativo. Os séculos
se misturam, os erros embolam-se
ao futebol, às praias, aos fogos de artifício de outras décadas, aos turistas
assassinados e nativos sem teto.
Nunca foi tão fácil enlouquecer no
Rio de Janeiro.
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