São Paulo, sexta-feira, 27 de novembro de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Diretor diz provocar com caso de incesto gay

"Do Começo ao Fim", longa que estreia hoje, narra romance entre dois irmãos

Filme de Aluízio Abranches, de "Um Copo de Cólera", tem como protagonistas João Gabriel e Rafael Cardoso; estreia foi adiada várias vezes


SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

No punho direito, Aluízio Abranches tatuou a palavra "trust" (confiança, em inglês). Deixou aparecer várias vezes as letras pretas numa casa da Gávea, no Rio, onde conversou com a reportagem.
"Quando vi o olhinho dele molhado, decidi que era ele mesmo", lembra o diretor, confiante, falando de como escolheu o ator João Gabriel para ser um dos irmãos que se apaixonam -e vivem um romance- em "Do Começo ao Fim".
Sabendo que "a homossexualidade existe, mas não incomoda", Abranches deu um passo além. Pôs em cena dois irmãos, um loiro e um moreno, que têm um caso de incesto gay. "Queria provocar", admite o diretor.
Mesmo com a "autoestima lá embaixo", Abranches também parece ter confiança total no filme que estreia hoje.
Depois que cenas com os atores João Gabriel, o moreno do "olhinho molhado", e Rafael Cardoso, dos cachinhos dourados, vazaram -e bombaram- na internet no início do ano, todo tipo de boato já cercou esse filme. Quando foi cortado da lista do Festival do Rio, em setembro, houve suspeitas de que diretor e equipe não conseguiam chegar a um acordo em relação à montagem final.
"Quando vi a primeira cena, tomei um choque na coluna", conta Gabriel. "Mas depois vi que não era tão conflituoso."
Esse receio, que pende entre o escândalo e a discrição, acaba sufocando o filme. Na encenação do tabu, Abranches, o diretor do tórrido "Um Copo de Cólera", cria um mundo de estética quase publicitária, achata conflitos e esconde o drama sob diálogos arrastados, trilha sonora plácida e músculos lisos.
"Ficou delicado mesmo", diz Rafael Cardoso, que vive o irmão mais novo. "Está tudo muito implícito porque a gente estava muito à mostra ali."
No que parece ser uma fusão entre comercial de margarina e, depois, de creme de barbear, não há drama. Dois irmãos se apaixonam, e a sociedade aceita, a mãe aceita, o pai aceita.
"Eles têm sofrimentos, momentos de solidão, de conflito, mas numas camadas mais veladas", diz Abranches. "Não acho que seja um filme cor-de-rosa."
Se não pink, "otimista", nas palavras do diretor e dos atores. "É uma história de amor entre dois jovens", relativiza Cardoso. "Queria fazer um filme otimista, sobre amor, um amor possível", conclui Abranches.
Mas, em cena, esse afeto aparece truncado. Se nos trailers que vazaram no YouTube, Gabriel e Cardoso se esbaldam em carícias, o filme baixa o tom e reveste de frieza o contato entre os dois, um romance que não passa do morno ao quente.
Heterossexuais na vida real, Gabriel e Cardoso ensaiaram para construir o amor na ficção, mas não convencem. "Não tem nenhum pudor eu com ele, ele comigo", diz Cardoso. "A gente é movido por libido", diz Gabriel. Mas o "trust" parece ficar mesmo só no punho do diretor.


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