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CINEMA/ESTREIAS
Diretor diz provocar com caso de incesto gay
"Do Começo ao Fim", longa que estreia hoje, narra romance entre dois irmãos
Filme de Aluízio Abranches, de "Um Copo de Cólera", tem como protagonistas João Gabriel e Rafael Cardoso; estreia foi adiada várias vezes
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
No punho direito, Aluízio
Abranches tatuou a palavra
"trust" (confiança, em inglês).
Deixou aparecer várias vezes as
letras pretas numa casa da Gávea, no Rio, onde conversou
com a reportagem.
"Quando vi o olhinho dele
molhado, decidi que era ele
mesmo", lembra o diretor, confiante, falando de como escolheu o ator João Gabriel para
ser um dos irmãos que se apaixonam -e vivem um romance- em "Do Começo ao Fim".
Sabendo que "a homossexualidade existe, mas não incomoda", Abranches deu um passo
além. Pôs em cena dois irmãos,
um loiro e um moreno, que têm
um caso de incesto gay. "Queria
provocar", admite o diretor.
Mesmo com a "autoestima lá
embaixo", Abranches também
parece ter confiança total no
filme que estreia hoje.
Depois que cenas com os atores João Gabriel, o moreno do
"olhinho molhado", e Rafael
Cardoso, dos cachinhos dourados, vazaram -e bombaram-
na internet no início do ano, todo tipo de boato já cercou esse
filme. Quando foi cortado da
lista do Festival do Rio, em setembro, houve suspeitas de que
diretor e equipe não conseguiam chegar a um acordo em
relação à montagem final.
"Quando vi a primeira cena,
tomei um choque na coluna",
conta Gabriel. "Mas depois vi
que não era tão conflituoso."
Esse receio, que pende entre
o escândalo e a discrição, acaba
sufocando o filme. Na encenação do tabu, Abranches, o diretor do tórrido "Um Copo de Cólera", cria um mundo de estética quase publicitária, achata
conflitos e esconde o drama sob
diálogos arrastados, trilha sonora plácida e músculos lisos.
"Ficou delicado mesmo", diz
Rafael Cardoso, que vive o irmão mais novo. "Está tudo
muito implícito porque a gente
estava muito à mostra ali."
No que parece ser uma fusão
entre comercial de margarina
e, depois, de creme de barbear,
não há drama. Dois irmãos se
apaixonam, e a sociedade aceita, a mãe aceita, o pai aceita.
"Eles têm sofrimentos, momentos de solidão, de conflito,
mas numas camadas mais veladas", diz Abranches. "Não acho
que seja um filme cor-de-rosa."
Se não pink, "otimista", nas
palavras do diretor e dos atores.
"É uma história de amor entre
dois jovens", relativiza Cardoso. "Queria fazer um filme otimista, sobre amor, um amor
possível", conclui Abranches.
Mas, em cena, esse afeto aparece truncado. Se nos trailers
que vazaram no YouTube, Gabriel e Cardoso se esbaldam em
carícias, o filme baixa o tom e
reveste de frieza o contato entre os dois, um romance que
não passa do morno ao quente.
Heterossexuais na vida real,
Gabriel e Cardoso ensaiaram
para construir o amor na ficção,
mas não convencem. "Não tem
nenhum pudor eu com ele, ele
comigo", diz Cardoso. "A gente
é movido por libido", diz Gabriel. Mas o "trust" parece ficar
mesmo só no punho do diretor.
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