São Paulo, sexta, 27 de novembro de 1998

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OUTRAS ESTRÉIAS
"A Vida de Jesus' é enfático ao abordar racismo na França

BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

No último domingo, o "The New York Times" publicou um longo artigo sobre o que o autor chamava, embora reconhecendo a estratégia de marketing por trás da fórmula, de "nova nouvelle vague". "A Vida de Jesus", de Bruno Dumont, que estréia hoje depois de ter recebido o prêmio do júri na Mostra de Cinema de 97, era um dos principais destaques.
O artigo definia duas escolas entre a nova geração de cineastas franceses. A primeira, ligada à tradição da "Cahiers du Cinéma", e herdeira de cineastas como André Téchiné e Maurice Pialat, trataria dos dilemas de jovens intelectuais de classe média. Arnaud Desplechin ("A Sentinela") seria o principal representante dessa vertente.
A segunda, em que o artigo incluía diretores como Mathieu Kassovitz ("O Ódio") e o próprio Dumont, manifestaria uma recusa a se filiar mais diretamente à tradição mais intelectual do cinema francês, abordando ao mesmo tempo uma juventude mais proletária e socialmente violenta.
O artigo do "The New York Times" importa menos por sua análise sociológica do que por revelar o que um olhar estrangeiro vê nessa nova produção. "A Vida de Jesus" é um filme de grande apelo para quem vê a França de fora, por trabalhar no limite do esquemático, do que um estrangeiro pode reconhecer de imediato como "o problema racial francês".
Ao contrário da tradição de Pialat e Téchiné, em que o roteiro deve desaparecer dentro das imagens, o filme de Dumont faz questão de levar o espectador a ver desde o início uma estrutura dramática prévia, a idéia por trás das imagens. E faz disso a sua força. O filme funciona como a ilustração de uma situação social: como e por que um rapaz desajustado numa cidade do interior é levado a matar um jovem de origem árabe.
Ao fazer de "A Vida de Jesus" uma ilustração do racismo na França, Dumont apela para uma simbologia mais simples e fácil (um passarinho na gaiola, iludido pelo canto de outro passarinho num gravador, por exemplo), mas que dá ao filme um aspecto direto, talvez menos sofisticado e inteligente que a abordagem que outros, como Téchiné e Pialat, poderiam fazer do racismo, mas certamente mais enfático e, por isso mesmo, imediatamente acessível.
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Filme: A Vida de Jesus Produção: França, 1997 Direção: Bruno Dumont Com: David Douche, Marjorie Cottreel Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 3



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