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Filme implode família
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O cinema é arte ou indústria?
Para o dinamarquês Thomas
Vinterberg, diretor de "Festa de
Família" e um dos signatários do
manifesto Dogma 95, a resposta é:
nenhuma das duas coisas, e sim
um meio de conhecimento do homem e de sua circunstância.
Seu filme joga na cara do espectador, como num pesadelo hiper-realista, uma situação que beira o
insuportável.
Uma família burguesa se reúne
num casarão para comemorar o
60º aniversário de seu patriarca,
Helge Klingenfeldt (Henning Moritzen). Durante a festa vêm a público os piores horrores domésticos: incesto, pedofilia, suicídio.
Nesse universo que lembra um
Nelson Rodrigues nórdico sem o
consolo do escracho, não é tanto a
história narrada que causa desconforto no espectador, mas o modo
como Vinterberg a conta.
Filmando boa parte do tempo
com a câmera na mão, num aparente desleixo de "home movie"
-enquadramentos tortos, cortes
abruptos, movimentos desajeitados-, Vinterberg nos apresenta
uma realidade em carne viva.
Sua abordagem abre mão do anteparo tranquilizador da decupagem cinematográfica clássica
-aquela que faz com que todo filme seja mais ou menos o mesmo,
com seus momentos de rir, de tomar susto, de se enternecer etc.
"Festa de Família" mostra, por
contraste, como o cinema convencional esconde a vida.
Não que o olhar do filme seja "espontâneo" ou "natural". Muito pelo contrário. Há uma organização
rigorosa no modo como constrói
seu drama.
Todo o filme se organiza em torno da polarização ordem/caos ou,
numa leitura política, "status
quo"/insurreição. Ou ainda, em
linguagem psicanalítica, repressão/catarse.
Não é por acaso que, a cada revelação bombástica que o filho pródigo Christian (Ulrich Thomsen)
faz à mesa, o mestre de cerimônias
tenta absorver o golpe e trazer a situação de volta à "normalidade".
Mas a atmosfera torna-se cada
vez mais tensa e absurda -em
mais de um momento lembramos
de "O Anjo Exterminador", de Buñuel-, até que o equilíbrio se
rompe.
A constituição de uma nova ordem requer a incorporação do outro: os criados, o namorado negro
de uma das filhas etc.
"Festa de Família" é uma coisa
rara: um filme subversivo.
²
Filme: Festa de Família
Produção: Dinamarca, 1998
Direção: Thomas Vinterberg
Com: Ulrich Thomsen, Henning Moritzen,
Thomas Bo Larsen
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 1
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