São Paulo, sexta, 27 de novembro de 1998

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Filme implode família

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O cinema é arte ou indústria?
Para o dinamarquês Thomas Vinterberg, diretor de "Festa de Família" e um dos signatários do manifesto Dogma 95, a resposta é: nenhuma das duas coisas, e sim um meio de conhecimento do homem e de sua circunstância.
Seu filme joga na cara do espectador, como num pesadelo hiper-realista, uma situação que beira o insuportável.
Uma família burguesa se reúne num casarão para comemorar o 60º aniversário de seu patriarca, Helge Klingenfeldt (Henning Moritzen). Durante a festa vêm a público os piores horrores domésticos: incesto, pedofilia, suicídio.
Nesse universo que lembra um Nelson Rodrigues nórdico sem o consolo do escracho, não é tanto a história narrada que causa desconforto no espectador, mas o modo como Vinterberg a conta.
Filmando boa parte do tempo com a câmera na mão, num aparente desleixo de "home movie" -enquadramentos tortos, cortes abruptos, movimentos desajeitados-, Vinterberg nos apresenta uma realidade em carne viva.
Sua abordagem abre mão do anteparo tranquilizador da decupagem cinematográfica clássica -aquela que faz com que todo filme seja mais ou menos o mesmo, com seus momentos de rir, de tomar susto, de se enternecer etc.
"Festa de Família" mostra, por contraste, como o cinema convencional esconde a vida.
Não que o olhar do filme seja "espontâneo" ou "natural". Muito pelo contrário. Há uma organização rigorosa no modo como constrói seu drama.
Todo o filme se organiza em torno da polarização ordem/caos ou, numa leitura política, "status quo"/insurreição. Ou ainda, em linguagem psicanalítica, repressão/catarse.
Não é por acaso que, a cada revelação bombástica que o filho pródigo Christian (Ulrich Thomsen) faz à mesa, o mestre de cerimônias tenta absorver o golpe e trazer a situação de volta à "normalidade".
Mas a atmosfera torna-se cada vez mais tensa e absurda -em mais de um momento lembramos de "O Anjo Exterminador", de Buñuel-, até que o equilíbrio se rompe.
A constituição de uma nova ordem requer a incorporação do outro: os criados, o namorado negro de uma das filhas etc.
"Festa de Família" é uma coisa rara: um filme subversivo.
²
Filme: Festa de Família Produção: Dinamarca, 1998 Direção: Thomas Vinterberg Com: Ulrich Thomsen, Henning Moritzen, Thomas Bo Larsen Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 1



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