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GASTRONOMIA
Zelinda divulga a culinária maranhense
NINA HORTA
Colunista da Folha
Fomos apresentados nesta semana que passou, com muitos fogos
de artifício, festas de boa comida e
marimbondos de fogo, a Zelinda
Machado de Castro e Lima, maranhense de quatro costados, interessada em comida e que aos 72
anos publica dois livros ao mesmo
tempo: "Pecado da Gula, Comeres
e Beberes da Gente do Maranhão"
e "Pecados da Gula, Receitas".
Qualquer livro de comida brasileira, tão pouco documentada e
desconhecida, é bem-vindo, apresso-me a comprar, ler e garimpar,
que alguma pepita de ouro há de
sair dali, coisas que não conheço e
que patrioticamente preciso conhecer.
A própria Zelinda adverte que o
livro não é um tratado nem de zoologia nem de botânica nem de antropologia nem de culinária. É como uma das muitas adivinhas que
recolheu. O que é, o que é?: "O que
tem boca e não come, tem asa e não
voa, tem bico e não pia? BULE".
"Redondinho como
ovo, mas ovo
não é. Tem
escama
como peixe, mas peixe não é: BURITI." "Está no choco, mas não é
galinha, late que late e não é cachorrinha: CHOCOLATE." "Tem
pé, mas não caminha, tem olho,
mas não vê, tem cabelo, mas não se
penteia: MILHO."
Então. O livro é difícil de ser rotulado. Mais para brasileiro do que
especificamente maranhense.
Uma pesquisa cuidadosa, para ser
consultada, e não lida de um só fôlego.
Começa com as influências das
correntes formadoras do Maranhão. Os índios timbiras e os tupis-guaranis, que nos deixaram as
técnicas dos assados e moquéns. A
colonização portuguesa só se desenvolveu realmente no século 18,
com a criação da Cia. do Comércio
do Maranhão e Grão Pará.
Marcou sua presença na comida
com o gosto pelas carnes (boi, carneiro, bode, galinha), ovos, cebola,
alho, cheiros, conservas, caldos,
banha de porco, manteiga, cozidos, bacalhoadas, doces de convento, doces de ovos.
O negro chegou em maior número quando havia
um comércio intenso
com suas
terras de origem, o que favoreceu
um contato que não lhe tirou a
identidade nem a religião nem as
raízes. Preservaram costumes,
crenças, música e culinária.
Reunidos nas comunidades-terreiros, divulgaram o caruru, o abobó, o cuxá, o acaçá, as bananas, o
dendê, o feijão-guandu, o leite de
coco, a pimenta, a galinha-d'angola, o sarapatel. O nordestino vem
plantar fazendas de gado, foge da
seca, do desemprego.
Sua cozinha já tinha as influências do negro e do índio. O árabe
chega na segunda metade do século 19 e introduz o churrasco de carneiro, o fígado cru, quibes, esfihas,
charutos e tabules.
Especificadas as influências, a
autora divide o Maranhão nas suas
regiões ecológicas, nos dá uma
breve idéia da arquitetura doméstica, das casas de porta e janela,
meia-morada e morada inteira,
das varandas, das cozinhas, das
despensas, dos móveis e utensílios.
Alonga-se nas superstições, nos
tabus, na palavra, na linguagem
que expressa a comida, nos ditados
populares, nas cantigas, nas brincadeiras.
Capítulo interessante é o de hábitos e festejos, provavelmente vistos
e vividos pela autora, que se solta
um pouco, deixa entrever sua personalidade, sua opinião. Registra
vendedores ambulantes,
seus pregões, cardápios
de todo dia, comidas
de santo. Passa por
chás medicinais,
garrafadas, listas de
peixes e de frutas, ingredientes, termos culinários, pesos e medidas.
O livro de receitas me confundiu
um pouco. Na realidade, eu esperava do Maranhão um exotismo
que só deve existir na minha cabeça. Tem também nhoques, brigadeiros, biscoitos e pudins, é claro.
Não fosse o creme de dr. Sarney,
a torta de caranguejo à moda de
Kyola, o camarão de que José gosta, a tiquira, o arroz de cuxá, o sarrabulho, o chocolate de quiabo, o
guaraná Jesus, teríamos em mão
um caderno de sinhazinha brasileira.
Há comidas mencionadas no primeiro livro cuja receita gostaria de
ter -como carne de bode fresca
cozida com leite de coco de babaçu. Macaxeira cozida com rapadura raspada. Feijão-da-terra com
toicinho e rapadura dentro. Rabada com quiabo. "Physallis" em
conserva. (Camapu). Manteiga de
garrafa, marrequinhos, rebuçados
de gengibre.
A bibliografia me fez ficar com
água na boca e proponho qualquer
escambo para ter em mãos "De Segunda a Domingo, Etnografia de
um Mercado Coberto", São Luiz,
Sioge, 1985. "Querebentan de Zomadonu -Etnografia da Casa de Minas",
U.F.M, 1986. "História de Animais
e Aves do Maranhão", Cristovão
Lisboa, Alhambra, 1985. "Ritos Fúnebres Populares no Maranhão",
U.F.M, 1981, José Rodrigues e Laura Silva.
E, agora que me entusiasmei pelo
Maranhão, quero ler os romances
do Sarney, que devem falar da comida... e nada... Completamente
esgotados. Salve Zelinda, que teve
a coragem de começar a divulgar a
comida maranhense.
Que venham logo as Zelindas de
Mato Grosso, Roraima, Santa Catarina, Piauí, que venham escrever
o grande, o enorme livro da cozinha brasileira.
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E-mail: ninahort@uol.com.br
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Livro: Pecados da Gula
Autora: Zelinda Machado de Castro e Lima
Lançamento: CBPC (Centro Brasileiro de
Produção Cultural)
Quanto: R$ 110 (450 págs.)
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