São Paulo, sexta, 27 de novembro de 1998

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GASTRONOMIA
Zelinda divulga a culinária maranhense

NINA HORTA
Colunista da Folha

Fomos apresentados nesta semana que passou, com muitos fogos de artifício, festas de boa comida e marimbondos de fogo, a Zelinda Machado de Castro e Lima, maranhense de quatro costados, interessada em comida e que aos 72 anos publica dois livros ao mesmo tempo: "Pecado da Gula, Comeres e Beberes da Gente do Maranhão" e "Pecados da Gula, Receitas".
Qualquer livro de comida brasileira, tão pouco documentada e desconhecida, é bem-vindo, apresso-me a comprar, ler e garimpar, que alguma pepita de ouro há de sair dali, coisas que não conheço e que patrioticamente preciso conhecer.
A própria Zelinda adverte que o livro não é um tratado nem de zoologia nem de botânica nem de antropologia nem de culinária. É como uma das muitas adivinhas que recolheu. O que é, o que é?: "O que tem boca e não come, tem asa e não voa, tem bico e não pia? BULE".
"Redondinho como ovo, mas ovo não é. Tem escama como peixe, mas peixe não é: BURITI." "Está no choco, mas não é galinha, late que late e não é cachorrinha: CHOCOLATE." "Tem pé, mas não caminha, tem olho, mas não vê, tem cabelo, mas não se penteia: MILHO."
Então. O livro é difícil de ser rotulado. Mais para brasileiro do que especificamente maranhense. Uma pesquisa cuidadosa, para ser consultada, e não lida de um só fôlego.
Começa com as influências das correntes formadoras do Maranhão. Os índios timbiras e os tupis-guaranis, que nos deixaram as técnicas dos assados e moquéns. A colonização portuguesa só se desenvolveu realmente no século 18, com a criação da Cia. do Comércio do Maranhão e Grão Pará.
Marcou sua presença na comida com o gosto pelas carnes (boi, carneiro, bode, galinha), ovos, cebola, alho, cheiros, conservas, caldos, banha de porco, manteiga, cozidos, bacalhoadas, doces de convento, doces de ovos.
O negro chegou em maior número quando havia um comércio intenso com suas terras de origem, o que favoreceu um contato que não lhe tirou a identidade nem a religião nem as raízes. Preservaram costumes, crenças, música e culinária.
Reunidos nas comunidades-terreiros, divulgaram o caruru, o abobó, o cuxá, o acaçá, as bananas, o dendê, o feijão-guandu, o leite de coco, a pimenta, a galinha-d'angola, o sarapatel. O nordestino vem plantar fazendas de gado, foge da seca, do desemprego.
Sua cozinha já tinha as influências do negro e do índio. O árabe chega na segunda metade do século 19 e introduz o churrasco de carneiro, o fígado cru, quibes, esfihas, charutos e tabules.
Especificadas as influências, a autora divide o Maranhão nas suas regiões ecológicas, nos dá uma breve idéia da arquitetura doméstica, das casas de porta e janela, meia-morada e morada inteira, das varandas, das cozinhas, das despensas, dos móveis e utensílios.
Alonga-se nas superstições, nos tabus, na palavra, na linguagem que expressa a comida, nos ditados populares, nas cantigas, nas brincadeiras.
Capítulo interessante é o de hábitos e festejos, provavelmente vistos e vividos pela autora, que se solta um pouco, deixa entrever sua personalidade, sua opinião. Registra vendedores ambulantes, seus pregões, cardápios de todo dia, comidas de santo. Passa por chás medicinais, garrafadas, listas de peixes e de frutas, ingredientes, termos culinários, pesos e medidas.
O livro de receitas me confundiu um pouco. Na realidade, eu esperava do Maranhão um exotismo que só deve existir na minha cabeça. Tem também nhoques, brigadeiros, biscoitos e pudins, é claro.
Não fosse o creme de dr. Sarney, a torta de caranguejo à moda de Kyola, o camarão de que José gosta, a tiquira, o arroz de cuxá, o sarrabulho, o chocolate de quiabo, o guaraná Jesus, teríamos em mão um caderno de sinhazinha brasileira.
Há comidas mencionadas no primeiro livro cuja receita gostaria de ter -como carne de bode fresca cozida com leite de coco de babaçu. Macaxeira cozida com rapadura raspada. Feijão-da-terra com toicinho e rapadura dentro. Rabada com quiabo. "Physallis" em conserva. (Camapu). Manteiga de garrafa, marrequinhos, rebuçados de gengibre.
A bibliografia me fez ficar com água na boca e proponho qualquer escambo para ter em mãos "De Segunda a Domingo, Etnografia de um Mercado Coberto", São Luiz, Sioge, 1985. "Querebentan de Zomadonu -Etnografia da Casa de Minas", U.F.M, 1986. "História de Animais e Aves do Maranhão", Cristovão Lisboa, Alhambra, 1985. "Ritos Fúnebres Populares no Maranhão", U.F.M, 1981, José Rodrigues e Laura Silva.
E, agora que me entusiasmei pelo Maranhão, quero ler os romances do Sarney, que devem falar da comida... e nada... Completamente esgotados. Salve Zelinda, que teve a coragem de começar a divulgar a comida maranhense.
Que venham logo as Zelindas de Mato Grosso, Roraima, Santa Catarina, Piauí, que venham escrever o grande, o enorme livro da cozinha brasileira.
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E-mail: ninahort@uol.com.br
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Livro: Pecados da Gula Autora: Zelinda Machado de Castro e Lima Lançamento: CBPC (Centro Brasileiro de Produção Cultural) Quanto: R$ 110 (450 págs.)


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