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CRÍTICA
Bloco de gelo vira bola de cristal do autor
DA REPORTAGEM LOCAL
Che Guevara virou um
pôster na parede, os idealistas estão presos, e os pragmáticos,
no poder. Será esse o Chile com
que sonhou a geração dos anos 60
e 70?
Talvez não, mas isso não é uma
tragédia para Ariel Dorfman. Em
"A Babá e o Iceberg", o escritor
chileno dá uma resposta bem-humorada a essa pergunta. O autor,
celebrizado por ser um escritor
engajado, crítico e rigoroso quando o tema é imperialismo, ditadura ou tortura, mostra que também
há espaço para o sexo, o humor e
o fantástico em sua prosa.
O livro acompanha Gabriel
Mackenzie, um rapaz de 24 anos,
em seu retorno ao Chile depois de
17 anos de desterro nos EUA. Enquanto passa o tempo imaginando como fazer para perder a virgindade, Gabriel recebe a missão
de descobrir quem estaria planejando um atentado contra o iceberg, que estava prestes a ser embarcado para a Espanha.
Entre as duas tarefas, Gabriel
tenta perceber a motivação dos
pais e de seus contemporâneos,
pessoas que viveram a ditadura,
reagiram de diferentes maneiras
em relação a ela e, agora, apresentam à nova geração uma nova sociedade chilena, de olho num futuro cheio de contradições.
A busca de Gabriel não é inocente; seu destino está, pelo menos, delineado, pois o texto é um
longo bilhete de despedida suicida para uma namorada distante.
Ele está prestes a se matar.
Gabriel se confronta com três
personagens masculinos, que sintetizam posições conflitantes. O
pai, Cristóbal, foge da militância e
persegue apenas o prazer por
meio do sexo. Pancho, seu tio,
pregava a luta pela derrubada do
poder e hoje está preso. E o último
é Pablo, um amigo do pai, que defendia no passado uma saída democrática da ditadura e tornou-se
ministro importante e corrupto.
"A Babá e o Iceberg" acumula
várias dúvidas: será que Gabriel
vai conseguir transar? Será que
vai se matar no final? O iceberg
carrega o futuro do Chile? É verdade que alguém quer destrui-lo?
Por trás de todas elas, a grande
interrogação de Dorfman: como
viver no Chile sem a ditadura,
com a lembrança dos desaparecidos e da repressão, à deriva numa
democracia contraditória e frágil,
que não responde perguntas deixadas pelo passado?
Dorfman não tem uma bola de
cristal, mas oferece um imenso
bloco de gelo que parece carregar
algumas pistas.
(SC)
A Babá e o Iceberg
The Nanny and the Iceberg
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Ariel Dorfman
Tradução: Ana Puccini Lara
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (390 págs.)
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