São Paulo, quarta-feira, 27 de dezembro de 2000

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CRÍTICA


Bloco de gelo vira bola de cristal do autor



DA REPORTAGEM LOCAL



Che Guevara virou um pôster na parede, os idealistas estão presos, e os pragmáticos, no poder. Será esse o Chile com que sonhou a geração dos anos 60 e 70?
Talvez não, mas isso não é uma tragédia para Ariel Dorfman. Em "A Babá e o Iceberg", o escritor chileno dá uma resposta bem-humorada a essa pergunta. O autor, celebrizado por ser um escritor engajado, crítico e rigoroso quando o tema é imperialismo, ditadura ou tortura, mostra que também há espaço para o sexo, o humor e o fantástico em sua prosa.
O livro acompanha Gabriel Mackenzie, um rapaz de 24 anos, em seu retorno ao Chile depois de 17 anos de desterro nos EUA. Enquanto passa o tempo imaginando como fazer para perder a virgindade, Gabriel recebe a missão de descobrir quem estaria planejando um atentado contra o iceberg, que estava prestes a ser embarcado para a Espanha.
Entre as duas tarefas, Gabriel tenta perceber a motivação dos pais e de seus contemporâneos, pessoas que viveram a ditadura, reagiram de diferentes maneiras em relação a ela e, agora, apresentam à nova geração uma nova sociedade chilena, de olho num futuro cheio de contradições.
A busca de Gabriel não é inocente; seu destino está, pelo menos, delineado, pois o texto é um longo bilhete de despedida suicida para uma namorada distante. Ele está prestes a se matar.
Gabriel se confronta com três personagens masculinos, que sintetizam posições conflitantes. O pai, Cristóbal, foge da militância e persegue apenas o prazer por meio do sexo. Pancho, seu tio, pregava a luta pela derrubada do poder e hoje está preso. E o último é Pablo, um amigo do pai, que defendia no passado uma saída democrática da ditadura e tornou-se ministro importante e corrupto.
"A Babá e o Iceberg" acumula várias dúvidas: será que Gabriel vai conseguir transar? Será que vai se matar no final? O iceberg carrega o futuro do Chile? É verdade que alguém quer destrui-lo?
Por trás de todas elas, a grande interrogação de Dorfman: como viver no Chile sem a ditadura, com a lembrança dos desaparecidos e da repressão, à deriva numa democracia contraditória e frágil, que não responde perguntas deixadas pelo passado?
Dorfman não tem uma bola de cristal, mas oferece um imenso bloco de gelo que parece carregar algumas pistas. (SC)


A Babá e o Iceberg
The Nanny and the Iceberg
   
Autor: Ariel Dorfman
Tradução: Ana Puccini Lara
Editora: Record
Quanto: R$ 40 (390 págs.)




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