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Safra 2001 nos EUA surpreende com filmes de arte e fiasco dos grandes lançamentos
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Um ano muito esquisito
ANDRE OHEHIR
DA "SALON"
Os cinéfilos estão começando a
perceber: 2001 foi um dos melhores anos para filmes estranhos.
Não me refiro a filmes que ofereçam uma fuga à realidade, mas
aos que apresentam realidades
realmente alucinatórias ou os que
sugerem que nada poderia ser
mais esquisito do que a realidade.
Hollywood teve um péssimo verão. A maior parte dos filmes de
grande orçamento (exceção feita
a "Shrek") teve ótimas estréias,
mas afundou mais tarde. Nenhum desses é memorável ou representa bom cinema. Mas, enquanto observávamos a armação
em torno de "Pearl Harbor" -e o
delicioso fiasco que ela produziu-, nas margens do sistema,
coisas animadoras ocorriam.
O que este ano e os últimos nos
trouxeram é algo ainda mais surpreendente: uma nova era dourada dos filmes de arte.
Não se trata do cinema de arte à
moda antiga, com sua oposição
ideológica amargurada à estética
e métodos de Hollywood. Como o
caso de Steven Soderbergh demonstra, as fronteiras de Hollywood já não são mais as mesmas.
Depois do reaparecimento dos
independentes em 99 e das pérolas estrangeiras de 2000, este ano
provou-se um tesouro cinematográfico. A esquisitice voltou, em
grau talvez superior a tudo o que
se vê desde os 70. Talvez as novas
tecnologias cinematográficas tenham algo a ver com a mudança.
Talvez a falência intelectual, emocional e financeira de Hollywood
tenha aberto as mentes de cineastas, distribuidores e espectadores
de modo semelhante. Ou talvez
seja uma daquelas inexplicáveis
correntes culturais repentinas.
Abaixo, minha seleção do melhor ano para filmes esquisitos de
que me lembro.
"Amnésia"
O "neonoir" cheio de truques
não é dos meus gêneros favoritos,
mas esse enigma é de primeira. A
atuação de Guy Pearce parece oca
e forçada, até você perceber que o
protagonista sujeito a um tipo de
amnésia é ele mesmo um ator.
Que o roteirista e diretor Christopher Nolan monte a história com
cada cena terminando onde a anterior começa é só um passo na
cintilante construção do filme.
"Amores Brutos"
A espantosa estréia de Alejandro González Iñárritu combina a
energia maldosa de Tarantino, o
surrealismo vívido de Buñuel e os
melodramas moralistas mexicanos em um panorama inesquecível da Cidade do México.
"Amor à Flor da Pele"
Tenho emoções contraditórias e
intensas sobre Wong Kar-wai, o
mais artístico dos grandes cineastas de Hong Kong. Mas não há como negar seu talento ou a singularidade de sua visão no luminoso
drama de época "Amor à Flor da
Pele", que finalmente lhe deu uma
audiência maior no Ocidente.
"Sexy Beast"
O primeiro filme dramático de
Jonathan Glazer resultou em um
thriller de crime que tem aparência de MTV, soa como uma peça
de Harold Pinter e revive o existencialismo nervoso dos melhores filmes britânicos dos anos 60.
"Ghost World"
"Ghost World", a estréia na ficção de Terry Zwigoff ("Crumb"),
sobre os complicados tempos de
faculdade na vida dos jovens, é
mais uma sátira ao estilo alternativo e seu niilismo auto-engendrado do que à corrente dominante na vida norte-americana.
Uma devastadora história de exílio cultural finamente detalhada e
maravilhosamente interpretada.
"Os Outros"
Menos um trabalho de inovação
que um projeto de restauração,
"Os Outros", de Alejandro Amenábar, marca o retorno às mais finas tradições do cinema sobrenatural, em que os principais (e
muitas vezes únicos) efeitos especiais estão no roteiro, nos personagens, na atmosfera e na edição.
"Mulholland Drive"
"Mulholland Drive" deixa claro
que David Lynch retornou da
quase irrelevância ao centro do
mundo do cinema. Diferentemente do alucinatório "A Estrada
Perdida" (97), em que perdeu a
forma irrecuperavelmente, "Mulholland Drive" tem uma coerência temática e emocional inegável.
Tradução Paulo Migliacci
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