São Paulo, quarta-feira, 28 de janeiro de 2004

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"Cidade de Deus" muda história do Brasil no Oscar

Associated Press
A atriz Sigourney Weaver e o presidente da Academia de Hollywood, Frank Pierson, durante anúncio dos indicados a melhor diretor, ontem, nos EUA


Com quatro indicações, inclusive para melhor diretor, filme de Fernando Meirelles alcança reconhecimento inédito em Hollywood

DA REPORTAGEM LOCAL

"Zebras acontecem", disse o cineasta Fernando Meirelles, 47, sobre as quatro indicações ao Oscar (incluindo a de melhor diretor) recebidas ontem por "Cidade de Deus" (2002), seu terceiro longa-metragem ("O Menino Maluquinho 2", "Domésticas").
Em toda a história do Oscar, o Brasil havia acumulado até aqui seis indicações -a primeira em 63 ("O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, em filme estrangeiro). O país nunca venceu.
"Cidade de Deus" havia sido apresentado pelo Brasil como candidato a melhor filme estrangeiro no Oscar 2003 e não obteve indicação. A ausência do filme no prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood foi considerada uma das maiores injustiças na história do prêmio por Harvey Weinstein, diretor da Miramax, distribuidora internacional de "Cidade de Deus".
Foi de Weinsten a decisão de fazer campanha pela indicação do filme nas categorias principais neste ano. O regulamento do Oscar autoriza a manobra, já que "Cidade de Deus" só estreou nos EUA em 2003 -ano a que se refere a premiação que ocorrerá no próximo dia 29 de fevereiro.
Além de Meirelles, incluído na disputa de melhor diretor, concorrem também o montador Daniel Rezende, 28, o roteirista Bráulio Mantovani, 40 (pelo roteiro adaptado do livro homônimo de Paulo Lins) e o fotógrafo César Charlone, 53.
"Estou muito feliz. Sabia que existia a possibilidade, mas não contava com ela. Acho que o roteiro ficou realmente bom, mas por ser falado em português achava menos provável. Português para eles é russo", disse Mantovani.
Rezende recebeu a notícia no Canadá, onde editará "Dark Water", novo filme de Walter Salles (um dos co-produtores de "Cidade de Deus"). "A minha reação não existe ainda. Daqui a uma semana talvez eu apresente alguma reação. Estou esperando passarem as horas, por enquanto a ficha não caiu ainda", diz.
Uruguaio radicado no Brasil há 30 anos, Charlone está em Florianópolis (SC), de onde deve retornar a Londres, para trabalhar com Meirelles na primeira produção internacional do diretor, "O Jardineiro Fiel", produzida pela Focus Features, com Ralph Fiennes.
"Isso é totalmente inédito, um triunfo para a América Latina. Depois de um período negro, estamos indo para um momento diferente, e o mundo está percebendo isso", afirma o fotógrafo.
O Brasil recebeu ainda uma quinta indicação, do curta de animação "Gone Nutty", de Carlos Saldanha. "Foi uma surpresa para todos nós. Tudo bem que animação é menos importante no Oscar, mas quem sabe a gente não faz essa dobradinha brasileira", disse Saldanha, 35.
"Carandiru", de Hector Babenco, que pleiteava a indicação a melhor filme estrangeiro, e "Ônibus 174", de José Padilha, que tentava a categoria documentário, não foram indicados.
Surpreendido pelas indicações de "Cidade de Deus", o escritor Paulo Lins disse que "o Oscar é uma festa americana, de Hollywood. Não é a coisa mais importante do mundo". Mas ponderou que "mesmo não sendo referência do melhor cinema" acha "legal a indicação, por dar visibilidade ao filme, o que pode ajudar os garotos que participaram".
Ontem Meirelles não teria um jantar de comemoração das indicações ao Oscar, e sim um jantar de negócios com o diretor da Focus, que insiste em escalar a atriz Nicole Kidman para o principal papel feminino do título. Meirelles defende o nome de uma atriz mais jovem e desconhecida.
Foi o que contou à Folha, por telefone. (CASSIANO ELEK MACHADO, DIEGO ASSIS, LAURA MATTOS, PEDRO ALEXANDRE SANCHES e SILVANA ARANTES)
 

Folha - Indicado a melhor diretor, sua carreira sai de controle?
Fernando Meirelles -
Não sai. Não vou fazer nada além do que já estou fazendo. Estou fazendo esse projeto agora, que não é autoral ["O Jardineiro Fiel"]. É um roteiro que já estava escrito e me pareceu interessante fazer, como aprendizado. Depois vou fazer o "Intolerância" [cujo roteiro está sendo escrito por Bráulio Mantovani]. Talvez meu cachê mude lá pelo quarto filme (risos). Talvez em 2005 ou 2006 isso tenha algum peso. Agora, os outros [indicados de "Cidade de Deus"] certamente já valem o dobro nesta semana.

Folha - As indicações são resultado de um desafio pessoal do diretor da Miramax?
Meirelles -
No ano passado eles investiram mais. Você via [anúncios] em meia página de revista, no [jornal] "New York Times". Este ano não houve isso.

Folha - Quanto eles investiram?
Meirelles -
Não sei. Espero que menos do que no ano passado.
Folha - Que foi quanto?
Meirelles - Eles não disseram, mas vai vir na conta.

Folha - Kátia Lund demonstrou estar sentida por seu nome não ser incluído na indicação a melhor diretor de "Cidade de Deus".
Meirelles -
Mas ela é co-diretora. Nós temos um contrato muito claro. Ela participou da parte de elenco, e o filme, infelizmente, não é só elenco. Se o filme está sendo nomeado para tantas categorias, prova que não é só o trabalho de elenco. E ela fez só o trabalho de elenco.

Folha - Mas o Oscar realmente te dá a sensação de recuo?
Meirelles -
Não recua, mas é que eu passei o ano passado inteiro falando muito do filme. Passei esses primeiros 15 dias do ano no Quênia, fazendo pesquisa de locação. Já estou num outro... Aí voltam as perguntas... Mas é superlegal, claro, para todo mundo.

Folha - O que significa "Cidade de Deus", que usou poucos recursos de leis de incentivo, que tem o nome de Walter Salles associado à produção, ser o filme brasileiro a obter quatro indicações ao Oscar?
Meirelles -
Acho que o sucesso dele não tem relação com a maneira como ele foi financiado. Poderia ser financiado por leis. O Walter Salles tem muito peso nisso, porque o filme teve uma entrada internacional através dele. Ele tem responsabilidade na projeção internacional dele. Mas o fato de ele não ter sido financiado pela lei foi só um azar de eu não ter conseguido captar tudo.

Folha - No ano passado, você recebeu duas garrafas de champanhe de seu distribuidor no dia das indicações ao Oscar, com o recado de que deveria tomar uma se fosse indicado e duas se não fosse. Quantas garrafas irá tomar hoje?
Meirelles -
Já encomendamos uma. Achei que "Cidade de Deus" não faria o gosto médio americano, porque o filme não fez uma performance tão sensacional nos EUA. Fez US$ 5 milhões, não é sensacional. É mais do que no Brasil, mas, para os Estados Unidos não é grande coisa.


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