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MARCELO COELHO
Dentro da mente do líder
Pelo que sei, a "Harvard Business Review" é das mais
respeitadas publicações de administração em todo o mundo. Imagino que o bom executivo deva tê-la sempre em mãos -ou pelo menos carregá-la na pastinha. Para
minha surpresa, existe uma versão brasileira da revista. Topei
com um exemplar da edição deste
mês. Seu tema é "a mente do líder".
Um dos pontos altos desse número é uma entrevista com o psicanalista Manfred Kets de Vries.
Ele atende num belo consultório
em Paris, além de ser "professor of
Leadership Development" na cidade histórica de Fontainebleau.
O trabalho desse terapeuta, diz
a revista, "o aproximou de muitas
das melhores corporações do
mundo". Concluo que muitos
executivos de multinacionais já
visitaram o seu divã. Será isso? O
texto se vale de uma formulação
mais cuidadosa: "Executivos de
empresas como Heineken, BP e
Nokia recorreram a seu know-how".
O que observa o psicanalista?
Que muitos líderes não têm inteligência emocional. Falta-lhes capacidade de auto-reflexão, e nisso
a psicanálise pode ser de grande
ajuda. Mas atenção! Se você não
se dispõe a ouvir os outros, a mudar de idéia, a reconhecer os próprios erros etc., isso não o impedirá -a revista tem um espírito
bastante otimista- de chegar ao
topo. Ao longo dos anos, diz Kets
de Vries, "conheci executivos de
grande sucesso e nada auto-reflexivos. Eram realizadores por excelência".
De todo modo, há outros motivos para que um executivo faça
análise.
Para De Vries, a verdadeira liderança tem seus aspectos obscuros. Poucos executivos percebem
que "na verdade, o comportamento irracional é comum na vida organizacional". O psicanalista afirma que a saúde mental de
um alto executivo é assunto mais
sutil, mais complicado "do que a
de um interno em hospital psiquiátrico". Afinal, "ele não pode
ser louco demais, do contrário
não conseguiria chegar à cúpula,
mas é alguém extremamente impetuoso".
Executivos também sofrem de
feridas no ego; procuram compensar a descrença e o desprezo
que tiveram na infância cercando-se de "um público que o admire". Correm o risco, assim, de não
ter muita autocrítica. Qual a solução para isso?
Ter um bobo da corte, sugere o
especialista. Assim como os reis,
os executivos precisam de alguém
capaz de dizer-lhes a verdade,
ainda que em tom de brincadeira.
Caso contrário, perdem a visão
das coisas em meio aos bajuladores.
Claro que ele não usa a palavra
"bajuladores" -tampouco a palavra "chefes". Não há "chefes".
Há líderes. E não há bajuladores:
há um "público" de colaboradores. Não há nem mesmo psicanalistas e psiquiatras. Por que um líder haveria de procurá-los? O psicanalista e consultor organizacional Kenneth Eisold, em outro artigo, diz que nenhum executivo
aceitará se lhe disserem que precisa de terapia. Melhor dizer sempre "você precisa conversar com
fulano". Ele conclui: "Os executivos têm "coaches", e não psiquiatras". Soa melhor. Já outro colaborador, que é psiquiatra, afirma
que no mundo das boas empresas
não há medo do termo: "Em vez
de estimular o uso de coaches para executivos, algumas incentivam a alta gerência para buscar
assistência psiquiátrica".
Será mesmo necessário? Claro
que todo profissional sofre de
stress, de insegurança, de algum
tipo de desequilíbrio afetivo, e
que qualquer um de nós ganhará
bastante se dedicar um tempo a
explorar sua própria psique. Mas
a questão aqui é outra. Não se
trata de fazer com que a pessoa
tenha uma vida mais feliz, mas
que obtenha promoção e poder
na empresa.
Curioso que questões como culpa e indecisão não tenham lugar
nesses consultórios e instâncias de
aconselhamento. É que a mente
do líder, por definição, é bem focalizada, objetiva, não hesita jamais em tomar "decisões duras".
Outro artigo da revista, assinado por Bárbara Kellerman, fala
com franqueza: chega de pensar
que os líderes são necessariamente éticos e admiráveis. "É impossível negar que gente má, ou no mínimo indigna, ocupa com freqüência altas posições", diz a
analista.
Ela dá exemplos ousados. "Certos líderes conseguem grandes feitos ao capitalizar justamente o lado sombrio de sua alma. Richard
Nixon (...) foi capaz de iniciar relações diplomáticas com a China
ao capitalizar sua famosa paranóia." Um passo a mais e chegamos à seguinte frase: "Até mesmo
um monstro pode dar lições de liderança. Hitler, por exemplo, foi
um mestre na manipulação de informações".
Se a idéia da autora do artigo
era ser franca e direta, acho que
ela conseguiu, e merece ter grande êxito em sua carreira. A revista
chega com isso a seu ponto culminante. Creio que a estratégia de
toda a conversa sobre liderança se
resume ao seguinte: num primeiro momento, tratava-se de inventar um eufemismo. A prática real
do comando -freqüentemente
opressiva, arbitrária etc.- ganha
o carismático nome de "liderança".
O problema é que o eufemismo
era bonito demais; poucos chefes
se viram espelhados em tão oleosa
papagaiada. Cumpre, então, ser
um pouco mais realista e redirecionar o conceito para quem o
consome. A revista passa a dizer a
verdade, mas como se continuasse num conto de fadas. Você é irracional, desequilibrado, tirânico, talvez louco e sanguinário como Hitler? Merece nosso respeito.
Você tem grandes chances de se
tornar um líder. Se ainda não é,
procure um de nossos especialistas.
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