São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

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MÚSICA

Em show para 3.000 pessoas em São Paulo, cantora-pianista uniu qualidade e popularidade no mesmo palco

Krall toca intimismo do jazz em casa lotada

RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Quando Diana Krall aparece no palco, ela o faz não como se estivesse tocando em um lugar enorme para 3.000 pessoas, mas com o despojamento visto habitualmente em um pequeno clube de jazz. Entra com a banda, caminha ao lado dos músicos, senta-se ao piano e, sem qualquer palavra, começa a soltar no ar os primeiros acordes e notas de um show de 14 músicas.
O primeiro solo -de guitarra- surge logo depois; já o diálogo com o público, só antes da quarta música. É um show de jazz, não há dúvida. Ela começa as músicas, canta logo de cara como que para resolver o problema, e aí todos se divertem: solos de bateria e baixo já na primeira canção. A estrela da noite chega a passar longos minutos sem tocar nas teclas do piano ou chegar perto do microfone, apenas sentada de pernas cruzadas assistindo satisfeita seus companheiros de banda.
Acompanhada de Anthony Wilson na guitarra, Robert Hurst no contrabaixo e Karriem Riggins na bateria, todos excelentes, a pianista Diana Krall não toca com especial delicadeza ou força, sensibilidade ou técnica, o que pode significar também que toca na medida certa. Já a cantora Diana Krall, adepta dos vocais sussurrados quase lânguidos, sabe brincar com as melodias como uma verdadeira jazzista, e, apesar de bem-comportada, sua voz já tem personalidade para figurar na galeria das cantoras-referência.
O show flui, como esperado, alternando standards ("All or Nothing at All", "On the Sunny Side of the Street") e canções de seu último álbum, "The Girl in the Other Room", algumas delas as primeiras composições de sua carreira, feitas em parceria com seu marido, o compositor-cantor-guitarrista roqueiro Elvis Costello. Dessas, chama a atenção a balada de forte apelo pop "Narrow Daylight", que poderia passar como uma resposta ao sucesso da "novata" Norah Jones.
O maior desconforto surgiu com o tamanho da casa de shows, incompatível com o clima intimista de Krall com seu quarteto. Difícil era ignorar os desavisados que tanto conversavam, envolvidos no espírito institucionalizado de "programa cultural de elite": o importante era ir para dizer que esteve lá. A calça jeans da pianista contrastava com o figurino do público, que desembolsou de R$ 120 a R$ 500 para estar ali.
Em sua terceira vez em São Paulo (a primeira foi no Free Jazz Festival, em 97, e a segunda no Bourbon Street, em 2000), é de se imaginar a surpresa (ou não) da cantora ao encarar um público maior a cada apresentação no país. Apesar disso, ela resistiu à tentação, e nenhuma composição brasileira deu as caras no repertório, exceto por uma citação de "Insensatez" sorrateiramente tocada em meio a um solo de piano em "Let's Face the Music and Dance".
Outros dos momentos altos da apresentação foram a inspirada versão ao vivo de "Temptation", de Tom Waits, também um dos melhores momentos de seu último CD, e a bela conclusão com "Almost Blue", composição do marido de 1982 que já foi gravada por cantores como Chet Baker e Little Jimmy Scott. O seu bom humor espontâneo também ajudou a manter o bom andamento do show, como quando comentou, após uma música algo melancólica, "eu meio que gosto de me sentir triste, é inspirador", para completar, um segundo depois: "por mais ou menos 30 segundos".
Os céticos, afinal, podem continuar não acreditando que uma garota (bem, uma garota de 39 anos) poderia carregar a bandeira de ser uma cantora e pianista de jazz influenciada por Nat King Cole e Oscar Peterson, ainda mais uma garota bonita o suficiente para aparecer de joelhos de fora em uma capa de disco, mas Diana Krall representa em carne e osso um daqueles casos raros de encontro entre qualidade e popularidade. Enfim, se não houve momentos especialmente brilhantes ou particularmente memoráveis, não faltou sustância nem deixou de ser um belo de um show.


Avaliação:    

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