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MÚSICA
Em show para 3.000 pessoas em São Paulo, cantora-pianista uniu qualidade e popularidade no mesmo palco
Krall toca intimismo do jazz em casa lotada
RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Quando Diana Krall aparece
no palco, ela o faz não como
se estivesse tocando em um lugar
enorme para 3.000 pessoas, mas
com o despojamento visto habitualmente em um pequeno clube
de jazz. Entra com a banda, caminha ao lado dos músicos, senta-se
ao piano e, sem qualquer palavra,
começa a soltar no ar os primeiros
acordes e notas de um show de 14
músicas.
O primeiro solo -de guitarra- surge logo depois; já o diálogo com o público, só antes da
quarta música. É um show de jazz,
não há dúvida. Ela começa as músicas, canta logo de cara como que
para resolver o problema, e aí todos se divertem: solos de bateria e
baixo já na primeira canção. A estrela da noite chega a passar longos minutos sem tocar nas teclas
do piano ou chegar perto do microfone, apenas sentada de pernas cruzadas assistindo satisfeita
seus companheiros de banda.
Acompanhada de Anthony
Wilson na guitarra, Robert Hurst
no contrabaixo e Karriem Riggins
na bateria, todos excelentes, a pianista Diana Krall não toca com especial delicadeza ou força, sensibilidade ou técnica, o que pode
significar também que toca na
medida certa. Já a cantora Diana
Krall, adepta dos vocais sussurrados quase lânguidos, sabe brincar
com as melodias como uma verdadeira jazzista, e, apesar de bem-comportada, sua voz já tem personalidade para figurar na galeria
das cantoras-referência.
O show flui, como esperado, alternando standards ("All or Nothing at All", "On the Sunny Side
of the Street") e canções de seu último álbum, "The Girl in the
Other Room", algumas delas as
primeiras composições de sua
carreira, feitas em parceria com
seu marido, o compositor-cantor-guitarrista roqueiro Elvis Costello. Dessas, chama a atenção a
balada de forte apelo pop "Narrow Daylight", que poderia passar
como uma resposta ao sucesso da
"novata" Norah Jones.
O maior desconforto surgiu
com o tamanho da casa de shows,
incompatível com o clima intimista de Krall com seu quarteto.
Difícil era ignorar os desavisados
que tanto conversavam, envolvidos no espírito institucionalizado
de "programa cultural de elite": o
importante era ir para dizer que
esteve lá. A calça jeans da pianista
contrastava com o figurino do público, que desembolsou de R$ 120
a R$ 500 para estar ali.
Em sua terceira vez em São Paulo (a primeira foi no Free Jazz Festival, em 97, e a segunda no Bourbon Street, em 2000), é de se imaginar a surpresa (ou não) da cantora ao encarar um público maior
a cada apresentação no país. Apesar disso, ela resistiu à tentação, e
nenhuma composição brasileira
deu as caras no repertório, exceto
por uma citação de "Insensatez"
sorrateiramente tocada em meio
a um solo de piano em "Let's Face
the Music and Dance".
Outros dos momentos altos da
apresentação foram a inspirada
versão ao vivo de "Temptation",
de Tom Waits, também um dos
melhores momentos de seu último CD, e a bela conclusão com
"Almost Blue", composição do
marido de 1982 que já foi gravada
por cantores como Chet Baker e
Little Jimmy Scott. O seu bom humor espontâneo também ajudou
a manter o bom andamento do
show, como quando comentou,
após uma música algo melancólica, "eu meio que gosto de me sentir triste, é inspirador", para completar, um segundo depois: "por
mais ou menos 30 segundos".
Os céticos, afinal, podem continuar não acreditando que uma
garota (bem, uma garota de 39
anos) poderia carregar a bandeira
de ser uma cantora e pianista de
jazz influenciada por Nat King
Cole e Oscar Peterson, ainda mais
uma garota bonita o suficiente para aparecer de joelhos de fora em
uma capa de disco, mas Diana
Krall representa em carne e osso
um daqueles casos raros de encontro entre qualidade e popularidade. Enfim, se não houve momentos especialmente brilhantes
ou particularmente memoráveis,
não faltou sustância nem deixou
de ser um belo de um show.
Avaliação:
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