São Paulo, sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

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Show no Sesc Pinheiros promove diálogo entre Mozart e Oiapoque

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

No palco, um regente de origem romena, músicos de orquestra paulistana, índios e estudantes de música do Amapá. A pesquisadora de música indígena Marlui Miranda promove o diálogo entre Mozart e o Oiapoque com o espetáculo "Ponte entre os Povos".
A apresentação está sendo chamada de "etno ópera", o que explica estar sob a direção cênica do experimentado Walter Neiva, que já trabalhou em espetáculos líricos no Teatro Municipal de São Paulo e no Festival Amazonas de Ópera, entre muitos outros.
"Os índios estão entendendo que a ópera é o ritual do branco", diz Miranda. "O rito indígena não é caótico, tem uma rigorosa organização. O exercício de ensaiar faz parte da vida indígena. O ritual não é uma coisa desarticulada; tudo é muito estruturado, como se estrutura uma ópera."
O teatro do Sesc Pinheiros será ocupado, ao todo, por 45 intérpretes, incluindo 20 índios de cinco diferentes etnias e 13 estudantes da Associação Musical Primavera - Escola de Música Walkiria Lima, de Macapá. Eles atuam em conjunto com a Camerata Atheneum, composta de musicistas da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a batuta de Lucian Rogulski, que nasceu em Bucareste, mas está radicado por aqui há duas décadas.
O cerne do repertório é a música indígena, retrabalhada em arranjos de Ruriá Duprat, que também assina a direção musical do espetáculo. "Tentei fazer um trabalho super-honesto, de manter a música indígena como ela é e, ao mesmo tempo, possibilitar que os índios tocassem com uma orquestra", diz Duprat.
"O que se faz normalmente é pegar a música indígena e tocar por cima no estúdio. Desse jeito, você continua distante", diz Miranda. "Aqui, a aproximação é verdadeira. Não estamos pegando os índios e tocando em cima do trabalho deles e, sim, considerando os índios como músicos. A idéia é que os dois lados façam um exercício, e cada um tente entender o modo de o outro trabalhar."
Embora o foco seja o repertório indígena, o roteiro do espetáculo traz momentos de música erudita. "Não vai ter nada de Mahler", brinca Miranda. Mas os indígenas, com seus instrumentos, em determinado momento se unem à orquestra na execução da mais famosa melodia de Mozart, a do primeiro movimento da "Pequena Serenata Noturna".
"Ponte entre os Povos" é fruto de um trabalho de pesquisa que começou há três anos, em Macapá. Após se apresentar na capital do Amapá, ela colocou indígenas e alunos de uma escola de música local para trocar experiências. Surgiu, então, a idéia de gravar o resultado do encontro em três CDs, que estão encartados no livro "Ponte entre os Povos".
Bilíngüe, em português e francês, contém 33 partituras das obras pesquisadas, além de fotos e textos de diversos autores. Miranda teve a preocupação de anotar o repertório indígena para que este pudesse ser registrado na Biblioteca Nacional, no Rio, e, assim, garantisse que os direitos autorais fossem revertidos aos índios.
"Pela primeira vez na história, uma entidade arrecadadora, a União Brasileira dos Compositores, está reconhecendo os índios como compositores", diz Miranda. "Isso é muito importante, porque, antigamente, o dinheiro era sempre recolhido, mas não tinha como chegar a eles. A propriedade intelectual dos índios, agora, está totalmente protegida."


PONTE ENTRE OS POVOS. Apresentação musical. Quando: hoje e amanhã, às 21h; e dom., às 19h. Onde: teatro Sesc Pinheiros (r. Paes Leme, 195, tel. 0/xx/11/3095-9400 e 0800-118220). Quanto: de R$ 5 a R$ 10. Lançamento do livro "Ponte entre os Povos", com organização de Marlui Miranda (Sesc São Paulo, 416 págs., R$ 50). Quando: hoje, às 21h, antes do espetáculo musical. Mesa-redonda "Diversidade Cultural e Direitos Autorais". Quando: amanhã, às 11h. Onde: auditório do Sesc Pinheiros. Quanto: inscrições gratuitas, com 30 minutos de antecedência.

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