São Paulo, quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

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Pegaram o Meneghetti!

Histórias do "bom ladrão" italiano que assombrou e fascinou SP no século 20 são relembradas em livro lançado hoje

Fotos Acervo Última Hora/ Folha Imagem
"Sou inocente", garante Gino Meneghetti a jornalistas e policiais em 1954; para ele, o roubo era uma "necessidade física"

FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 4 de junho de 1926, São Paulo parou para ver a polícia perseguir Gino Meneghetti, àquela altura já uma lenda como ladrão. O cerco começou de madrugada, na região da atual cracolândia, e durou dez horas. Mobilizou 200 policiais e uma plateia de milhares de pessoas pelas ruas do centro.
O quarteirão entre as ruas Santa Ifigênia, Vitória, dos Andradas e dos Gusmões foi todo cercado. Na troca de tiros, um delegado foi morto. Meneghetti pulou pelos telhados e se escondeu nos quintais, até se entregar, extenuado, após uma moradora descobrir que estava encolhido em seu forro.
O episódio cinematográfico é relatado em detalhes no livro "Meneghetti, o Gato dos Telhados", do jornalista e escritor Mouzar Benedito, que será lançado hoje, a partir das 19h, na Livraria da Vila da rua Fradique Coutinho, Vila Madalena. Não haveria lugar mais apropriado. Ali, na casa onde funciona o escritório da livraria, Meneghetti foi preso pela última vez, aos 92 anos, com uma talhadeira, um martelo e uma lanterna, acusado de tentar arrombar o portão, o que negou.
Com 92 anos -vale repetir-, acabou liberado pelo delegado. No local há uma placa lembrando o derradeiro rolo do ladrão, que morreria em 1976, aos 98.
Meneghetti, italiano que chegara ao Brasil em 1913, aos 35 anos, já procurado por extensa ficha corrida em seu país e na França, viveu no célebre "cerco da rua dos Gusmões" um dos pontos altos de sua celebridade no Brasil.
Começou afanando frutas e galinhas na Pisa natal. Aqui, se especializou em roubar joias e mansões de milionários, jamais os de poucas posses. Deixava bilhetes pirracentos para os ricaços, reclamando da qualidade dos produtos. Por cartas aos jornais, desafiava a polícia.
Foi preso incontáveis vezes, fugiu "pelo menos 17", segundo ele mesmo calculou. Gabava-se de jamais ter matado alguém, o que é controverso. Foi acusado pela morte do delegado no cerco de 1926, o que negava. A perícia suscitou a hipótese de que fogo da polícia tenha causado a morte.

Fascínio
"Qual o criminoso simpático em São Paulo hoje?", questiona o historiador Boris Fausto. "Não há. Meneghetti roubava os ricos, sofreu maus tratos na prisão, era anarquista. Tudo isso compunha um tipo simpático. Ele é único neste sentido."
Fez fama por todo o país. "Menino, no interior de Minas, eu ouvia falar de Meneghetti. Quem tem mais de 40 anos tem fascinação por ele", diz Mouzar Benedito, 63, autor do perfil a ser lançado hoje.
A aura de ladrão querido o tornou objeto de outros livros, como o esgotado "Vida de Meneghetti: Memórias", depoimento a M.A. Camacho; "O Incrível Meneghetti", de Paulo José da Costa Jr., que por anos foi advogado do bandido; "O Lendário Meneghetti", de Célia de Bernardi, e "O Grande Ladrão", de Renato Modernell.
O de Benedito compila muitas informações dos anteriores, acrescenta poucas novas, traz fotos e uma história em quadrinhos de Luiz Gê sobre o ladrão, publicada originalmente em 1976 no jornal "Versus". Foi nela que o cineasta Beto Brant se baseou para fazer o curta "D'ove, Meneghetti" (1989), raro tributo do cinema a um personagem tão cinematográfico.
"Não é que ele fosse charmoso e romântico; ele era um imigrante italiano anarquista, e foi isso que me pegou", diz Brant, que admite a influência do "bom ladrão" na sua obra.
Meneghetti viveu entre a realidade e o mito, e ainda hoje é difícil distinguir um de outro. Seja por incúria investigativa ou por querer deliberadamente jogar com a confusão, o perfil biográfico que sai hoje não consegue fazer o filtro.
Será o 22º livro de Benedito, que escreveu "1968, Por Aí... -Memórias Burlescas da Ditadura" e "João do Rio, 45", entre outros. Ele é fundador da Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci) e lidera campanha para que a figura fantástica de uma perna só seja a mascote da Copa de 2014 no Brasil.
Como se vê, é um autor com fascínio por lendas.


MENEGHETTI, O GATO DOS TELHADOS

Autor: Mouzar Benedito
Editora: Boitempo
Quanto: R$ 29 (136 págs.)
Lançamento: hoje, das 19h às 22h, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, Vila Madalena)




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