São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2000


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TELEVISÃO

Que nos queixemos ao bispo


TELMO MARTINO
Colunista da Folha

O progresso é grande. A TV Record finalmente possibilitou a todos que se queixem ao bispo. Muito paciente, o bispo ouve horas de queixas e lamentações pela madrugada adentro. Isso acontece no programa "Fala Que Eu Te Escuto". E como falam os queixosos nessa oportunidade que ganharam para expor seus infortúnios. São males que quem canta não mais espanta. Isso porque o programa em questão é sobre erros médicos.
A pergunta quer descobrir o culpado dos erros médicos: "Médico, hospital ou fatalidade?". A fatalidade é logo eliminada. Os médicos ganham numa disparada de lamúrias, embora no decorrer das queixas os hospitais estejam sempre por perto.
A primeira mulher a se queixar exibe um festival de cicatrizes. São resultados de operações malfeitas e desnecessárias que a incompetência dos médicos retalhou. Esses horrores não são vistos apenas por quem está em casa. Advogada e médicos estão lá, sentados, ouvindo palavras que lhes são rotineiras.
Quando contam casos tenebrosos de pessoas que se sentiam protegidas com seus planos de saúde, a vontade é correr para a TV Globo para ver que tal é o filme que rola por lá. Mas, horror por horror, é melhor ficar com a verdade.
Até certo ponto. O susto deve ser maior para as mulheres em idade de constituir família. Tudo indica que, no Brasil, os maiores erros são cometidos no campo da obstetrícia. As fotos que mães mostram de seus filhos assustam os notívagos que se dispõem a fazer companhia ao bispo. São notívagos masoquistas. Até a revistinha que a Ana Maria Braga publica pode ser um inferno menor. Talvez. Mas aí não se saberia que em erros médicos, entre os obstetras brasileiros, tem a Tanzânia como companheira em número de casos. O Brasil é bacana. Tem a humildade de não querer fingir uma vantagem dentro do seu grupo.
Humildade? É isso o que o dr. Monteleone (jamais confundir com Brancaleone) considera a qualidade que nenhum médico competente pode desprezar. Uma pobre vítima de erro médico mostra a foto de seu filho com paralisia cerebral devido à demora que sofreu para ser atendida na hora do parto. Essa demora impediu que ela fizesse a cesária, tão indispensável em seu caso.
Uma senhora volta-se logo contra o dr. Monteleone, com seu visual de médico dos filmes da extinta Metro-Goldwyn-Mayer. "O senhor é contra a cesária. Viu o que aconteceu?" Todo digno, dr. Monteleone disse que é contra o exagero nacional dessa prática, que em países ricos e sensatos é infinitamente menor. Mas não dá mais para escutar os que falam. "Nós não temos como nos defender", dizem eles. É cruel, mas nós temos um simples botão.


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