Volume sai em maio e traz textos de Machado de Assis e José de Alencar, entre outros
Retrato da crítica quando jovem
João Roberto Faria retrata em livro embate entre a crítica e a dramaturgia do século 19 no Brasil
FERNANDO MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Polêmicas como a que opôs o
diretor francês André Antoine ao
dramaturgo e crítico Artur Azevedo, na visita de Antoine ao país
em 1903, dormiam até há pouco
nas bibliotecas.
O debate poderia ter sido exemplar: de um lado, o maior representante, para a cena, do naturalismo de Émile Zola. De outro, o
mais influente homem de teatro
no Brasil da época, cético em relação ao receituário naturalista. O
bate-boca foi instrutivo, mas acabou em ofensas recíprocas.
Episódios como esse tornam-se
acessíveis com o lançamento em
maio, pela editora Perspectiva, de
"As Idéias Teatrais no Brasil: O século 19", de João Roberto Faria.
Para compor o livro, formado por
ensaio e antologia de textos teóricos e críticos, o pesquisador levou
seis anos nos arquivos da Biblioteca Nacional, no Rio, entre outras fontes, tendo encontrado
duas peças inéditas, manuscritas,
de Aluísio Azevedo.
As controvérsias em torno das
idéias naturalistas são o ponto de
chegada do percurso que, como
indica o título, abrange quatro
movimentos fundamentais no século 19: o romantismo, o realismo, o teatro cômico e musicado e,
por fim, o naturalismo.
O ensaio de Faria ocupa a primeira parte do volume, fazendo a
resenha das concepções de teatro
expressas por dramaturgos, jornalistas, historiadores. Na segunda parte, a antologia reúne 59 textos assinados por cerca de 40 autores, dos quais José de Alencar,
Machado de Assis e Artur Azevedo são os mais assíduos.
"De Aluísio Azevedo, só se conheciam as peças escritas em parceria com seu irmão Artur", diz
Faria, que pôde dar relevo a uma
figura atuante no teatro brasileiro
de fins do século 19, até agora
pouco conhecida nesse aspecto
(os textos inéditos que encontrou
chamam-se "O Caboclo" e "Venenos Que Curam"). Aluísio
adaptou seu romance "O Mulato"
para a cena em 1884, a exemplo do
que Zola fizera com seus livros.
Os melhores dramas românticos nacionais não foram, em geral, encenados em sua época. Nesse caso, está a bela "Leonor de
Mendonça", que Gonçalves Dias
escreveu em 1846, tentando inutilmente vê-la representada pelo
ator-empresário João Caetano.
Poucas peças montadas na fase
romântica são conhecidas hoje. A
explicação de Faria é simples:
"Muitas foram representadas,
mas não publicadas", diz. A dificuldade de encontrar aqueles textos impede que se conheça com
exatidão o repertório privilegiado
pelo público de João Caetano.
Para Faria, o legado romântico
expressa-se melhor nas comédias
perenes de Martins Pena. No entanto escreveu-se pouco sobre o
gênero, então considerado menor. "A comédia não despertou
reflexões teóricas ou críticas, a
não ser as de Alencar e Machado."
José de Alencar e Machado de
Assis, embora tenham reconhecido talento em Martins Pena, não
viram com simpatia a espécie de
comicidade praticada pelo autor
de "Juiz de Paz da Roça" ou por
Joaquim Manuel de Macedo.
O ideal de Alencar e Machado
era a "alta comédia", por oposição aos recursos identificados ao
baixo cômico, nas suas correrias,
esconderijos e linguagem ágil.
Paris forneceria o modelo do
teatro realista, no qual a palavra
comédia já não se refere ao texto
que busca produzir o riso, ligando-se antes ao retrato dos bons
costumes burgueses.
O Ginásio Dramático, criado
em 1855, será o palco principal
dessas peças que, escritas por autores como Dumas Filho e Augier,
servirão de modelo a uma geração
de dramaturgos, liderada por José
de Alencar. Ele as chamou de "daguerreótipos morais", peças que,
segundo Faria, "fotografam os
costumes, retocando-os com o
pincel moralizante".
O projeto realista seria ameaçado pela algazarra do teatro cômico e musicado, onda que chega ao
país com a criação de outra casa
de espetáculo, no Rio de 1859: o
Alcazar Lírico, com operetas de
Offenbach, canções e atrizes corruptoras da tranquilidade das famílias. Paralelamente à voga duradoura das operetas, mágicas e
revistas de ano, surgirão as peças
naturalistas, que chegaram a reforçar reivindicações políticas como a da libertação dos escravos.
Para Faria, a compreensão restrita que se teve, no Brasil, das
pretensões reformadoras de Antoine e outros artistas comprometeu a capacidade dos dramaturgos e críticos locais de acompanhar a evolução do teatro na Europa, o que pôs o país em descompasso com outros centros.
Em 1922, quando intelectuais
armavam a Semana de Arte Moderna, não havia entre eles "ninguém sintonizado com o espetáculo moderno". Mas essa já é outra história -projeção, no século
20, da que conta Faria no livro.
Fernando Marques é jornalista,
professor do Centro Universitário de
Brasília e doutorando em literatura
brasileira na UnB
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