São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2001

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Volume sai em maio e traz textos de Machado de Assis e José de Alencar, entre outros

Retrato da crítica quando jovem



João Roberto Faria retrata em livro embate entre a crítica e a dramaturgia do século 19 no Brasil



FERNANDO MARQUES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Polêmicas como a que opôs o diretor francês André Antoine ao dramaturgo e crítico Artur Azevedo, na visita de Antoine ao país em 1903, dormiam até há pouco nas bibliotecas.
O debate poderia ter sido exemplar: de um lado, o maior representante, para a cena, do naturalismo de Émile Zola. De outro, o mais influente homem de teatro no Brasil da época, cético em relação ao receituário naturalista. O bate-boca foi instrutivo, mas acabou em ofensas recíprocas.
Episódios como esse tornam-se acessíveis com o lançamento em maio, pela editora Perspectiva, de "As Idéias Teatrais no Brasil: O século 19", de João Roberto Faria. Para compor o livro, formado por ensaio e antologia de textos teóricos e críticos, o pesquisador levou seis anos nos arquivos da Biblioteca Nacional, no Rio, entre outras fontes, tendo encontrado duas peças inéditas, manuscritas, de Aluísio Azevedo.
As controvérsias em torno das idéias naturalistas são o ponto de chegada do percurso que, como indica o título, abrange quatro movimentos fundamentais no século 19: o romantismo, o realismo, o teatro cômico e musicado e, por fim, o naturalismo.
O ensaio de Faria ocupa a primeira parte do volume, fazendo a resenha das concepções de teatro expressas por dramaturgos, jornalistas, historiadores. Na segunda parte, a antologia reúne 59 textos assinados por cerca de 40 autores, dos quais José de Alencar, Machado de Assis e Artur Azevedo são os mais assíduos.
"De Aluísio Azevedo, só se conheciam as peças escritas em parceria com seu irmão Artur", diz Faria, que pôde dar relevo a uma figura atuante no teatro brasileiro de fins do século 19, até agora pouco conhecida nesse aspecto (os textos inéditos que encontrou chamam-se "O Caboclo" e "Venenos Que Curam"). Aluísio adaptou seu romance "O Mulato" para a cena em 1884, a exemplo do que Zola fizera com seus livros.
Os melhores dramas românticos nacionais não foram, em geral, encenados em sua época. Nesse caso, está a bela "Leonor de Mendonça", que Gonçalves Dias escreveu em 1846, tentando inutilmente vê-la representada pelo ator-empresário João Caetano.
Poucas peças montadas na fase romântica são conhecidas hoje. A explicação de Faria é simples: "Muitas foram representadas, mas não publicadas", diz. A dificuldade de encontrar aqueles textos impede que se conheça com exatidão o repertório privilegiado pelo público de João Caetano.
Para Faria, o legado romântico expressa-se melhor nas comédias perenes de Martins Pena. No entanto escreveu-se pouco sobre o gênero, então considerado menor. "A comédia não despertou reflexões teóricas ou críticas, a não ser as de Alencar e Machado."
José de Alencar e Machado de Assis, embora tenham reconhecido talento em Martins Pena, não viram com simpatia a espécie de comicidade praticada pelo autor de "Juiz de Paz da Roça" ou por Joaquim Manuel de Macedo.
O ideal de Alencar e Machado era a "alta comédia", por oposição aos recursos identificados ao baixo cômico, nas suas correrias, esconderijos e linguagem ágil.
Paris forneceria o modelo do teatro realista, no qual a palavra comédia já não se refere ao texto que busca produzir o riso, ligando-se antes ao retrato dos bons costumes burgueses.
O Ginásio Dramático, criado em 1855, será o palco principal dessas peças que, escritas por autores como Dumas Filho e Augier, servirão de modelo a uma geração de dramaturgos, liderada por José de Alencar. Ele as chamou de "daguerreótipos morais", peças que, segundo Faria, "fotografam os costumes, retocando-os com o pincel moralizante".
O projeto realista seria ameaçado pela algazarra do teatro cômico e musicado, onda que chega ao país com a criação de outra casa de espetáculo, no Rio de 1859: o Alcazar Lírico, com operetas de Offenbach, canções e atrizes corruptoras da tranquilidade das famílias. Paralelamente à voga duradoura das operetas, mágicas e revistas de ano, surgirão as peças naturalistas, que chegaram a reforçar reivindicações políticas como a da libertação dos escravos.
Para Faria, a compreensão restrita que se teve, no Brasil, das pretensões reformadoras de Antoine e outros artistas comprometeu a capacidade dos dramaturgos e críticos locais de acompanhar a evolução do teatro na Europa, o que pôs o país em descompasso com outros centros.
Em 1922, quando intelectuais armavam a Semana de Arte Moderna, não havia entre eles "ninguém sintonizado com o espetáculo moderno". Mas essa já é outra história -projeção, no século 20, da que conta Faria no livro.

Fernando Marques é jornalista, professor do Centro Universitário de Brasília e doutorando em literatura brasileira na UnB




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