São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 2001

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BIOGRAFIA

A Janis Joplin por trás do pôster

CYNARA MENEZES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre as revelações que a norte-americana Alice Echols faz sobre Janis Joplin na biografia que escreveu sobre a cantora, uma é particularmente chocante e nada tem a ver com drogas, sexo ou rock and roll: Janis passou seus curtos e intensos 27 anos de vida dividida entre ser uma superstar da música ou se casar, ter dois filhos e uma casinha de cerquinha branca.
Para o leitor, é um espanto associar aquela Janis enlouquecida, eletrizada e provocante que nos acostumamos a ver nos pôsteres de época, ou a mulher liberada que abriu os palcos do rock para o sexo feminino, à ex-adolescente com problemas de peso e acne, insegura e sedenta por aceitação, que vem à tona em "Janis Joplin: Uma Vida. Uma Época".
Janis nasceu em Port Arthur, uma cidade industrial do Texas que chegou a ser nomeada pela revista "Business Week" como "uma das dez cidades mais feias do planeta". A futura blueseira, a princípio menina bem-comportada, logo se tornaria uma espécie de "Carrie, a Estranha" do colégio: rejeitada, ridicularizada, vítima de fofocas. O negócio era mesmo sair dali.
A primeira parada é uma cidade vizinha, logo Los Angeles, depois Austin, já começando uma carreira musical, mas com a "outra Janis" sempre forçando uma volta para casa em busca da aceitação familiar, que nunca veio.
É incrível descobrir que Janis Joplin, famosíssima após vender 1 milhão de cópias de "Cheap Thrills", seu segundo disco, de 1968, "quando os jornalistas da "Time" e da "Life" se digladiavam para entrevistá-la", ainda fosse capaz de perguntar a sua mãe se o "Port Arthur News" tinha escrito alguma coisa a seu respeito. "Em caso positivo, mande para mim", teria dito. Seis semanas antes de morrer de overdose, em 1970, ainda tinha ido à cidade para uma festa de reencontro de seus antigos colegas, e sido mais uma vez rejeitada pela família.
Também parece inacreditável que a intérprete de "Summertime" ou aquela "loira com voz de negão", como diz Rita Lee no prefácio, pudesse ser insegura ao ponto de entrar em crise cada vez que aparecia uma cantora nova no cenário norte-americano, com medo de as pessoas descobrirem que "não sabia cantar".
Essas duas Janis também disputariam a sexualidade da roqueira: a da "cerquinha" era, claro, heterossexual, mas a estrela da música também gostava de mulheres. Embora aponte os casos homossexuais que Janis teve ao longo da vida, Alice Echols, rejeita, porém, o rótulo de gay para ela. "Ela acreditava em viver fora das categorias, em vez de encriptada por elas. Nesse aspecto, foi uma regressão ao modelo boêmio de ambiguidade sexual", defende.a autora no livro.
Echols é uma especialista em história dos anos 60, e aproveita a escusa de biografar Janis para contar o que acontecia na cena musical do período, sobretudo em San Francisco, a partir da introdução da guitarra elétrica no folk, sob influência da música britânica, em 1965. A autora também fala de comportamento, mostrando uma certa desilusão com a geração hippie e, sobretudo, com o abuso de drogas por seus representantes.
Algumas vezes prolixo, noutras excitante, com o defeito óbvio das biografias superadjetivadas produzidas nos EUA, o livro não responde, e sim deixa perguntas sobre Janis: quem foi exatamente? Por que morreu? Por que parece não ter sido amada? Seria feliz em sua desejada casinha de cerquinha branca?
O título original da biografia é "Scars of Sweet Paradise" ("Cicatrizes do Doce Paraíso"), extraído de uma canção de Bob Dylan que dizia: "Se você não acredita que há um preço para este doce paraíso, só me lembre de te mostrar as cicatrizes". Janis Joplin pagou o preço e mostrou as cicatrizes, mas não dá para perceber onde estava o doce paraíso em sua vida.

Livro: Janis Joplin: Uma Vida. Uma Época
   
Autora: Alice Echols Tradutora: Marcela Cosenza Silva
Editora: Global
Quanto: R$ 38 (347 págs.)



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