São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 1998

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Escritos mostram projeto de identidade nacional

MAURICIO PULS
da Redação

Os escritos de José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) reunidos no livro "Projetos para o Brasil", recém-lançado pela Companhia das Letras, revelam um político que procurava conciliar a manutenção da monarquia com a implantação de reformas sociais capazes de construir uma identidade nacional.
Entre os textos reunidos por Miriam Dolhnikoff, pesquisadora do Cebrap, destaca-se o projeto apresentado à Assembléia Constituinte no ano de 1823, que propunha a extinção do tráfico negreiro em "quatro ou cinco anos" e a emancipação gradual dos escravos -temas que muitos dos críticos liberais da época não admitiam nem mesmo colocar em debate no Legislativo.
Outro projeto seu defendia que os índios não mais fossem esbulhados de suas terras, "de que são legítimos senhores, pois Deus lhas deu". Também pregava uma reforma agrária, com o confisco das terras improdutivas.
Todas essas medidas eram necessárias, segundo ele, para construir um Estado nacional moderno e homogêneo.
Progressista
Uma análise de sua biografia mostra que os aspectos progressistas de seu pensamento não eram elementos incompatíveis com seu conservadorismo político.
José Bonifácio nasceu em Santos, no ano de 1763, filho de um rico comerciante local. Estudou filosofia e direito na Universidade de Coimbra (1783-1788), da qual se tornaria catedrático de metalurgia em 1801, após prolongados estudos na França, Alemanha e Suécia.
Ocupou diversos cargos de relevo na burocracia estatal: intendente-geral das Minas e Metais do Reino, diretor do Real Laboratório da Casa da Moeda, superintendente de Alfândega e Marinhas. Membro da Academia de Ciências de Lisboa desde 1789, tornou-se seu secretário em 1812 -um sinal de seu prestígio entre a intelectualidade.
Fortemente influenciado pelo Iluminismo, Bonifácio integrava o grupo de ilustrados lusitanos que, seguindo a trilha aberta pelo marquês de Pombal, tentavam reformar e modernizar o Império.
Quando retornou ao Brasil em 1819, estava distante de qualquer pretensão nacionalista e considerava-se um súdito do império português, desejando apenas que a sua terra natal adquirisse um estatuto de igualdade com a metrópole.
Em 1820, porém, ocorre a Revolução do Porto, que visava substituir o regime absolutista por uma monarquia constitucional. O novo regime pretendia porém anular todas as vantagens concedidas ao Brasil após 1808, reconvertendo o país numa colônia de Portugal.
Essa política recolonizadora se chocava diretamente com a posição de José Bonifácio. Chefia então a delegação paulista que, em janeiro de 1822, pede a d. Pedro que desobedeça as ordens das Cortes de Lisboa, ficando no país. No mesmo dia, d. Pedro o nomeia ministro do Reino e dos Estrangeiros.
Torna-se um dos principais articuladores da Independência, defendendo um governo forte (no que se opunha aos liberais), mas constitucional (o que o incompatibilizava com os absolutistas).
Criticado por uns e outros, acaba entrando em choque com o imperador, e deixa o ministério em 16 de julho de 1823. "Todo governo em revolução só faz descontentes", escreveria mais tarde, admitindo que os dias de sua gestão "não foram sempre puros".
Assume uma cadeira na Assembléia Constituinte, enquanto seus adeptos lançam o jornal "O Tamoio" -nome que indicava sua oposição aos portugueses que cercavam o imperador. Insatisfeito com o projeto, d. Pedro 1º fecha a Constituinte em 12 de novembro.
Nesse mesmo dia Bonifácio é preso e, dias depois, exilado para a França: "Se Pedro fosse um déspota como Frederico, capaz de ilustrar e felicitar o Brasil, talvez lhe perdoasse a sua ingratidão para comigo; mas a um pérfido cruel, e perjuro, sem caráter e nobreza d'alma, oh Deus, isso não".
É do seu exílio na França que datam a maior parte de suas anotações sobre a política. O livro contém ainda diversas observações sobre o país ("os brasileiros mostram altivez nas baixezas, amor-próprio nas bagatelas e obstinação em puerilidades"), sobre economia e política ("o governo deriva da propriedade, e não vice e versa") e literatura ("as nossas glosas nunca passarão os Pireneus").


Livro: Projetos para o Brasil, de José Bonifácio de Andrada e Silva
Organizadora: Miriam Dolhnikoff
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 23,00



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