São Paulo, sábado, 28 de fevereiro de 1998

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Promotor pode recorrer no caso Tiririca

WILSON TOSTA
da Sucursal do Rio

O promotor Carlos Roberto Jatahy decidirá até a próxima semana se recorrerá da sentença do juiz Carlos Flores da Cunha, da 23ª Vara Criminal, que absolveu o cantor Tiririca e dois executivos da Sony Music Entertainment da acusação de crime de racismo supostamente cometido na música "Veja os Cabelos Dela".
Segundo informou o Ministério Público Estadual, o promotor tem, por lei, cinco dias a partir da data da sentença (16 de fevereiro) para apresentar recurso da decisão que inocentou o cantor, o presidente da Sony Music do Brasil, Roberto Augusto, e o diretor de Marketing da empresa, Luiz André Calainho.
A letra diz, entre outras frases denunciadas como racistas, que "essa nega (...) fede mais que gambá" e tem cabelos que parecem "Bombril de arear panela".
Em sua defesa, o compositor afirmou que fizera na composição uma brincadeira dirigida a sua mulher, Rogéria Márcia, sem intenção racista. Flores da Cunha considerou em seu despacho que houve "uma certa precipitação" por parte do Ministério Público ao fazer a denúncia.
Para o juiz, "se a composição tivesse sido interpretada dentro de um contexto mais amplo, além do mero significado etimológico de cada palavra de seu texto, talvez não houvesse o processo".
A prova definitiva da ausência de intenção racista na letra, de acordo com Flores da Cunha, foi a comprovação de que a composição fora inspirada em uma brincadeira que Tiririca fizera com Rogéria Márcia durante um espetáculo, com testemunhas. Uma delas, um motorista do casal, depôs no processo.
O juiz afirmou ainda que as testemunhas do Ministério Público apenas apresentaram suas impressões sobre o caso e reclamaram por se sentirem ofendidas.
Ele lembrou que testemunhas "são chamadas a juízo para depor sobre fatos, não para manifestar suas apreciações pessoais".
Segundo o magistrado, um exame aprofundado da letra tornou "ainda mais remota" a hipótese de considerar que Tiririca teve "deliberado propósito de ofender as negras". Ele lembrou que o cantor é filho de negra, casado com uma "mestiça" e de origem modesta.
"Pessoa sem qualquer ligação com o racismo de um modo geral é possível acreditar que esse mestiço de família humilde, palhaço de profissão, aproveitou-se da música para praticar preconceito contra as mulheres negras?", perguntou o juiz no texto.
Flores da Cunha lembrou ainda que Tiririca se refere na letra a uma determinada "nega", "não à raça negra como um todo, ao universo de pessoas de cor negra ou às mulheres negras".



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