São Paulo, sexta, 28 de março de 1997.

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TEATRO
Falta uma Dercy Gonçalves à "Dama do Cerrado"

Divulgação
Suzana Vieira e Otávio Augusto em cena de "A Dama do Cerrado"


NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

Mauro Rasi, em ``Pérola'', alcançou o que antes parecia fantasia, devaneio: uma obra de arte, mas popular. A reunião entre o público e o melhor teatro. A produção comercial, dos reis da comédia, estendeu a mão à criação maior e não perdeu a bilheteria.
Caso invulgar, respondeu, no âmbito do dividido teatro brasileiro, como é dividido o teatro do século em toda parte, aos que deixaram, nariz torcido, o ``templo'' aos ``vendilhões''. Um vendilhão estendeu a mão aos puros.
As expressões aspeadas são do crítico anglo-americano Eric Bentley em ``O Dramaturgo como Pensador'', de exato meio século atrás, usadas para retratar a divisão então já patente no palco -e diante da qual ele deixava clara a sua opção pelo melhor teatro, até pelo ``experimentalismo'', ainda que sem público.
``Pérola'', um ano atrás, foi a geração besteirol plenamente desenvolvida na arte, sem concessões a qualquer parte, e com uma grande, primeira atriz, Vera Holtz, em momento de graça.
Isso tudo para falar da frustração diante de ``A Dama do Cerrado'', a mais nova peça do comediógrafo de Bauru, em cartaz no mesmo teatro Jardel Filho, depois de temporada no Rio.
Na nova peça, Mauro Rasi buscou, ao que parece, uma vinculação com a própria história do teatro nacional. Foi aos anos 20, 30, à praça Tiradentes, no centro do Rio, onde acontecia o teatro de revista de comediantes como Oscarito, Grande Otelo, Dercy Gonçalves, e de autores como Luiz Peixoto, Ary Barroso.
Um teatro que não temia falar da política, deixar a descoberto e explodir o poder -ao menos até ser absorvido e identificado com o Estado Novo, e depois sofrer a hostilidade dos adversários de Getúlio Vargas e desaparecer.
``A Dama do Cerrado'', ainda que não seja um musical, é o teatro mais populista, como aquele das revistas, e o mais crítico diante do poder, dos políticos. Explode Brasília, literalmente.
Não é o melhor texto de Rasi, nem tem, claramente, tal ambição. É uma comédia rasgada, desbragada, que procura tratar o universo de deputados, ministros, presidentes, como ele chega ao cidadão ``comum'', ao público.
É assim que fala de FHC e de ACM, também de Tancredo e Aécio Neves, sobretudo de José e Roseana Sarney. A peça se passa na véspera da posse de Tancredo, quando chegava ao poder o grupo que lá está, até hoje.
Para tanto, porém, e para um pleno diálogo com a história do teatro nacional, precisaria de uma Dercy Gonçalves, de uma Aracy Côrtes, capazes de enfrentar o poder sem travas.
Suzana Vieira é boa atriz, de passagens corretas no teatro, sobretudo no teatro dos reis da comédia, mas não tem o potencial humorístico, inclusive de improvisação, que a ``perua'' Leda Florim manifestamente exige.
Deixada pelo amante, um parlamentar que a troca por um ministério, ela se revolta com as suas duas décadas de perdidos amantes brasilienses, consome todo tipo de droga durante a apresentação, delira à solta, mas a atriz se prende ao texto, interpreta.
Caso bem diverso é o do cabeleireiro Fulvio, de Otávio Augusto. Treinado no teatro Oficina nos anos 60, é um ator pleno na relação com o público; mas não é nele que se concentra a peça.
Ainda assim, como se diz, ele ``rouba'' a cena, levando o público na mão, expondo e se expondo. Tivesse um diálogo maior, com uma comediante de mão-cheia, e ``A Dama do Cerrado'' não deixaria a sensação de vazio que resta, ao final do espetáculo.

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