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LITERATURA
Escritor argentino Ricardo Piglia fala à Folha sobre seu mais recente romance, "Plata Quemada"
"Tratei minha história como batalha"
da Equipe de Articulistas
Leia a seguir a continuação da
entrevista que o escritor Ricardo
Piglia deu à Folha, a respeito de
seu novo romance, "Plata Quemada".
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Folha - O sr. me disse uma vez
que toda a literatura argentina
contemporânea, incluindo a sua,
era uma tentativa de conciliar as
heranças de Borges e Roberto Arlt.
Em "Plata Quemada" parece que o
sr. se aproxima mais de Arlt.
Ricardo Piglia - Acho que é verdade. Basicamente, o que me parece que se pode associar a Arlt é a
idéia de contar "a partir de baixo",
no sentido verbal e no sentido da
origem dos personagens.
Mas esses personagens baixos,
marginais, são tratados como figuras de tragédia. Nisso há também semelhança com Arlt, que toma personagens muito "vulgares"
e os trata como se fossem filósofos,
pensando sobre a angústia etc.
Outra coisa que tem certa relação
é que Arlt também escrevia contra
o estilo, não? Contra o estilo médio, contra o "escrever bem".
Folha - Tudo que está no livro é
verdade, incluindo a relação homossexual entre dois assaltantes?
Piglia - Sim, é verdade. Eu poderia responder que é verdade no
sentido de que a literatura é verdade. Mas as coisas aconteceram de
fato como conto. A linha argumental é absolutamente fiel. Depois, dentro desse universo eu elaborei uma série de hipóteses sobre
atos que eles teriam praticado, coisas que teriam pensado e dito.
Folha - Seu encontro com Blanca
Galeano (cúmplice dos assaltantes), narrado no epílogo do livro,
ocorreu de verdade?
Piglia - Sim. Veja como o acaso,
nessas histórias reais, funciona como o elemento de ficção. Eu estava
indo de trem para o norte da Argentina quando Blanca entrou no
meu camarote. Estava numa situação desesperada, queria poder ficar num camarote e que alguém
lhe pagasse o jantar. Ajudei-a e ela
me contou sua história. Claro que
eu já havia lido alguma coisa nos
jornais, mas foi essa conversa com
ela que me levou a tomar notas e
iniciar uma investigação.
Folha - O sr. é um autor muito
autoconsciente e muito consciente
também de toda a tradição literária. Tinha em mente, ainda que
fosse para refutá-lo, algum modelo anterior de livro desse tipo, como por exemplo os romances-reportagem americanos, como "A
Sangue Frio", de Truman Capote?
Piglia - Sim, claro que sim.
Acho que "A Sangue Frio" é, por
acaso, do mesmo ano dos fatos de
"Plata Quemada", 1965. Gosto
muito desse livro.
Tinha também, como outro antecedente, o livro de Hemingway
"As Verdes Colinas da África". Era
uma tentativa, segundo ele mesmo, de escrever os fatos reais como se fossem uma ficção.
Quando escrevi a primeira versão do livro, por volta de 1967, essas eram referências que eu tinha
em conta, ao lado de certas buscas
da "beat generation", de Kerouac e
Burroughs, que também tentavam
capturar a experiência real.
Quando retomei o livro, 30 anos
depois, já era outro escritor. Mas
essa tradição continuava presente
para mim. Além dela, há algo que
sempre me interessou muito, que
são as histórias de batalhas, não só
como estão em Tolstói ou Stendhal, mas nos livros e documentos
históricos. Tratei minha história
como se fosse uma batalha.
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