São Paulo, sábado, 28 de março de 1998

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LITERATURA
Escritor argentino Ricardo Piglia fala à Folha sobre seu mais recente romance, "Plata Quemada"
"Tratei minha história como batalha"

da Equipe de Articulistas

Leia a seguir a continuação da entrevista que o escritor Ricardo Piglia deu à Folha, a respeito de seu novo romance, "Plata Quemada". (JOSÉ GERALDO COUTO)

Folha - O sr. me disse uma vez que toda a literatura argentina contemporânea, incluindo a sua, era uma tentativa de conciliar as heranças de Borges e Roberto Arlt. Em "Plata Quemada" parece que o sr. se aproxima mais de Arlt.
Ricardo Piglia -
Acho que é verdade. Basicamente, o que me parece que se pode associar a Arlt é a idéia de contar "a partir de baixo", no sentido verbal e no sentido da origem dos personagens.
Mas esses personagens baixos, marginais, são tratados como figuras de tragédia. Nisso há também semelhança com Arlt, que toma personagens muito "vulgares" e os trata como se fossem filósofos, pensando sobre a angústia etc.
Outra coisa que tem certa relação é que Arlt também escrevia contra o estilo, não? Contra o estilo médio, contra o "escrever bem".
Folha - Tudo que está no livro é verdade, incluindo a relação homossexual entre dois assaltantes?
Piglia -
Sim, é verdade. Eu poderia responder que é verdade no sentido de que a literatura é verdade. Mas as coisas aconteceram de fato como conto. A linha argumental é absolutamente fiel. Depois, dentro desse universo eu elaborei uma série de hipóteses sobre atos que eles teriam praticado, coisas que teriam pensado e dito.
Folha - Seu encontro com Blanca Galeano (cúmplice dos assaltantes), narrado no epílogo do livro, ocorreu de verdade?
Piglia -
Sim. Veja como o acaso, nessas histórias reais, funciona como o elemento de ficção. Eu estava indo de trem para o norte da Argentina quando Blanca entrou no meu camarote. Estava numa situação desesperada, queria poder ficar num camarote e que alguém lhe pagasse o jantar. Ajudei-a e ela me contou sua história. Claro que eu já havia lido alguma coisa nos jornais, mas foi essa conversa com ela que me levou a tomar notas e iniciar uma investigação.
Folha - O sr. é um autor muito autoconsciente e muito consciente também de toda a tradição literária. Tinha em mente, ainda que fosse para refutá-lo, algum modelo anterior de livro desse tipo, como por exemplo os romances-reportagem americanos, como "A Sangue Frio", de Truman Capote?
Piglia -
Sim, claro que sim. Acho que "A Sangue Frio" é, por acaso, do mesmo ano dos fatos de "Plata Quemada", 1965. Gosto muito desse livro.
Tinha também, como outro antecedente, o livro de Hemingway "As Verdes Colinas da África". Era uma tentativa, segundo ele mesmo, de escrever os fatos reais como se fossem uma ficção.
Quando escrevi a primeira versão do livro, por volta de 1967, essas eram referências que eu tinha em conta, ao lado de certas buscas da "beat generation", de Kerouac e Burroughs, que também tentavam capturar a experiência real.
Quando retomei o livro, 30 anos depois, já era outro escritor. Mas essa tradição continuava presente para mim. Além dela, há algo que sempre me interessou muito, que são as histórias de batalhas, não só como estão em Tolstói ou Stendhal, mas nos livros e documentos históricos. Tratei minha história como se fosse uma batalha.



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