São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2000


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PELO BRASIL - AMAZONAS

Manaus vê "Il Guarany" original e completo

IRINEU FRANCO PERPETUO
enviado especial a Manaus

Foi uma revelação. A encenação da partitura completa da ópera "Il Guarany", de Carlos Gomes, no Teatro Amazonas, durante o 4º Festival Amazonas de Ópera, trouxe à luz uma grandeza que a mais famosa criação de nosso mais destacado compositor lírico certamente já tinha, mas havia ficado ofuscada pelas alterações e amputações feitas pelos intérpretes.
A grande cabeça musical por trás da iniciativa é o maestro Luiz Fernando Malheiro, que, partindo da meticulosa revisão da partitura feita pelo regente Roberto Duarte, incluiu na récita nada menos que 1.019 compassos da ópera que normalmente são deixados de lado.
Isso sem falar na recuperação do prelúdio original da obra. A abertura do "Guarany"- popular por causa da "Voz do Brasil"- foi composta apenas um ano depois da estréia da ópera.
No "début" da ópera baseada no romance homônimo de José de Alencar, no Scala de Milão, em 1870, foi tocado apenas um breve prelúdio. Pois bem: entre escolher o prelúdio original e a abertura popular, Malheiro optou por ambos, tocando esta primeiro e aquele depois.
Mas não é apenas em número de compassos que a versão de Manaus ganha das mais populares gravações existentes, a feita por Armando Belardi, em São Paulo, na década de 50, e a mais recente, dos anos 90, realizada por John Neschling na Alemanha, com o tenor espanhol Plácido Domingo.
A grande sacada de Malheiro foi retornar ao texto original do compositor, ignorando muitas alterações que não constam da partitura, mas que a ela foram incorporadas por intérpretes ao longo dos anos.
Tome-se por exemplo o papel de Ceci. A soprano Niza de Castro Tank, sua mais destacada intérprete, enriqueceu a linha do canto com uma série de agudos que caíam como uma luva em seu registro vocal, mas não faziam parte da obra de Gomes.
Por insistência de Malheiro, a soprano Cláudia Riccitelli teve de cantar, em Manaus, uma Ceci literal, seguindo religiosamente a escrita do compositor, o que significou descer até um si grave na cadência de sua ária e não emitir nota mais alta do que o dó agudo.
A falta de cortes tinha tudo para prejudicar Eduardo Itaborahy, o tenor encarregado da parte de Peri. Afinal de contas, devido justamente às grandes exigências vocais e cênicas de sua parte, ela era a tradicionalmente mais cortada, não havia tenor (Domingo inclusive) que aguentasse cantar o papel inteiro.
Mas Itaborahy, aos 30 anos, é uma voz mineira que o resto do Brasil precisa conhecer.
Com timbre belíssimo e facilidade para os agudos, não é do tipo de tenor dramático e berrão habitualmente escolhido para a parte e sim um tenor lírico, apto a deslindar as belezas do legato tão característico da linha vocal gomesiana.
Brilhou ainda a voz ligeira de Paulo Szot, mostrando que não é necessário ser um pesado barítono verdiano para cantar o vilão Gonzalez. Habituado a papéis cômicos, o baixo Pepes do Valle revelou também vocação dramática como Don Antonio. E o outro baixo, o italiano Alessandro Verducci, desincumbiu-se com segurança da parte do Cacique.
A encenação de Iacov Hillel retratou os índios da ópera, mas, sabiamente, renunciou a reconstituir a floresta. Seu cenário eram troncos de pau-brasil, nos quais eram enrolados e desenrolados tecidos com alusões aos descobrimentos portugueses e Ceci canta sua grande ária em um quarto decorado pela carta de Pero Vaz de Caminha.
A Amazonas Filarmônica esteve impecável na abertura, mas tropeçou mais do que seria de se esperar ao longo da récita.
Apesar dos pesares, ainda se trata da melhor orquestra brasileira fora do eixo Rio-São Paulo.


Avaliação:     

O jornalista Irineu Franco Perpetuo viajou a Manaus a convite da organização do festival


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