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PELO BRASIL - AMAZONAS
Manaus vê "Il Guarany" original e completo
IRINEU FRANCO PERPETUO
enviado especial a Manaus
Foi uma revelação. A encenação
da partitura completa da ópera "Il
Guarany", de Carlos Gomes, no
Teatro Amazonas, durante o 4º
Festival Amazonas de Ópera,
trouxe à luz uma grandeza que a
mais famosa criação de nosso
mais destacado compositor lírico
certamente já tinha, mas havia ficado ofuscada pelas alterações e
amputações feitas pelos intérpretes.
A grande cabeça musical por
trás da iniciativa é o maestro Luiz
Fernando Malheiro, que, partindo da meticulosa revisão da partitura feita pelo regente Roberto
Duarte, incluiu na récita nada menos que 1.019 compassos da ópera
que normalmente são deixados
de lado.
Isso sem falar na recuperação
do prelúdio original da obra. A
abertura do "Guarany"- popular por causa da "Voz do Brasil"- foi composta apenas um
ano depois da estréia da ópera.
No "début" da ópera baseada
no romance homônimo de José
de Alencar, no Scala de Milão, em
1870, foi tocado apenas um breve
prelúdio. Pois bem: entre escolher
o prelúdio original e a abertura
popular, Malheiro optou por ambos, tocando esta primeiro e
aquele depois.
Mas não é apenas em número
de compassos que a versão de
Manaus ganha das mais populares gravações existentes, a feita
por Armando Belardi, em São
Paulo, na década de 50, e a mais
recente, dos anos 90, realizada por
John Neschling na Alemanha,
com o tenor espanhol Plácido Domingo.
A grande sacada de Malheiro foi
retornar ao texto original do compositor, ignorando muitas alterações que não constam da partitura, mas que a ela foram incorporadas por intérpretes ao longo dos
anos.
Tome-se por exemplo o papel
de Ceci. A soprano Niza de Castro
Tank, sua mais destacada intérprete, enriqueceu a linha do canto
com uma série de agudos que
caíam como uma luva em seu registro vocal, mas não faziam parte
da obra de Gomes.
Por insistência de Malheiro, a
soprano Cláudia Riccitelli teve de
cantar, em Manaus, uma Ceci literal, seguindo religiosamente a escrita do compositor, o que significou descer até um si grave na cadência de sua ária e não emitir nota mais alta do que o dó agudo.
A falta de cortes tinha tudo para
prejudicar Eduardo Itaborahy, o
tenor encarregado da parte de Peri. Afinal de contas, devido justamente às grandes exigências vocais e cênicas de sua parte, ela era
a tradicionalmente mais cortada,
não havia tenor (Domingo inclusive) que aguentasse cantar o papel inteiro.
Mas Itaborahy, aos 30 anos, é
uma voz mineira que o resto do
Brasil precisa conhecer.
Com timbre belíssimo e facilidade para os agudos, não é do tipo de tenor dramático e berrão
habitualmente escolhido para a
parte e sim um tenor lírico, apto a
deslindar as belezas do legato tão
característico da linha vocal gomesiana.
Brilhou ainda a voz ligeira de
Paulo Szot, mostrando que não é
necessário ser um pesado barítono verdiano para cantar o vilão
Gonzalez. Habituado a papéis cômicos, o baixo Pepes do Valle revelou também vocação dramática
como Don Antonio. E o outro
baixo, o italiano Alessandro Verducci, desincumbiu-se com segurança da parte do Cacique.
A encenação de Iacov Hillel retratou os índios da ópera, mas, sabiamente, renunciou a reconstituir a floresta. Seu cenário eram
troncos de pau-brasil, nos quais
eram enrolados e desenrolados
tecidos com alusões aos descobrimentos portugueses e Ceci canta
sua grande ária em um quarto decorado pela carta de Pero Vaz de
Caminha.
A Amazonas Filarmônica esteve impecável na abertura, mas
tropeçou mais do que seria de se
esperar ao longo da récita.
Apesar dos pesares, ainda se
trata da melhor orquestra brasileira fora do eixo Rio-São Paulo.
Avaliação:
O jornalista Irineu Franco Perpetuo viajou
a Manaus a convite da organização do festival
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