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CARLOS HEITOR CONY
Emocionante torcida por submarinos noturnos
Os ingleses inventaram o futebol. Os americanos, o basquete. Os
espanhóis, as touradas. E os romanos, as lutas livres. Tudo bem,
cada coisa em seu lugar. O carioca
inventou uma modalidade esportiva bem mais interessante, embora caída em desuso devido à violência urbana e ao medo de assaltos. Um esporte complicado, gostoso, que consistia em torcer por
uma corrida imaginária de submarinos, à noite, ali no Arpoador,
no Leme, mais tarde em toda a orla.
Não havia ocorrido, ainda, o
boom dos hotéis de alta rotatividade. Ali pelos anos 50 e 60, quebrava-se o galho como se podia,
em apartamentos de amigos ou
de aluguel, coisas sórdidas, manjadas pelos vizinhos. Perdiam-se
oportunidades por causa disso,
por não ter um lugar para fazer
aquilo que, grosseiramente, alguns chamavam de "afogar o
ganso".
Alguns poucos e ditosos sobreviventes de uma era romântica e
bela ainda possuíam garçonnières, cujas chaves eram disputadas
pelos amigos dos donos. Mas o
grosso da manada se submetia
aos treme-tremes da época, prédios em decomposição onde havia
apartamentos idem. Era duro
convencer a outra parte que a paisagem não importava, o amor era
mais importante, superava a esqualidez das paredes, a sordidez
dos móveis e dos lençóis. O amor
tudo pode.
Havia dois ou três hotéis caindo
aos pedaços ao longo da avenida
Niemeyer e adjacências. Eram tão
desoladores quanto os quartos de
aluguel. Ficavam longe, as mulheres temiam se aventurar a dar um
passo além do Leblon -fronteira
urbana e decente para qualquer
mulher, casada, solteira ou viúva.
Foi aí que, na esteira da bem-sucedida indústria automobilística nacional, inventou-se o esporte
acima citado, o de torcer por uma
corrida imaginária de imaginários submarinos que todas as noites empolgavam o eleitorado na
faixa que ia do Leme ao Leblon.
Digo torcer porque tudo era
realmente torcido. Os carros, predominantemente nacionais,
eram pequenos pequeníssimos em
alguns casos. Quem tinha um
Simca Chambord, como eu, era
um afortunado, um latifundiário
da luxúria, deitava e rolava, contava ponto na hora de convencer
a parceira a torcer e se torcer no
emocionante esporte.
Mas o grosso da boiada ia mesmo torcer e se torcer no estreito espaço dos Fuscas e Gordinis. Arranjar vaga era difícil sobretudo
às sextas-feiras e sábados. Domingo era mole. Mas quem tinha dois
carros botava um na vaga, antes
da noite cair.
Não havia Aids nem assaltos,
daí que as coisas ficavam mais fáceis. De espaços a espaços, havia
carrocinhas que vendiam "Genial" (ou seria "Geneal"?), uns
sanduichinhos de queijo ou presunto com suco de laranja, complemento indispensável como a
pipoca para o cinema. Moça nenhuma recusava o inocente convite de comer um "Genial" diante
do mar escuro, "espelho de Deus,
rude e terrível" -como queria
um poeta daquele tempo.
O fato é que um sanduíche antes
preparava o sanduíche do depois,
que recompunha as energias gastas com a torcida, verdadeiramente torcida, pois o esporte exigia um contorcionismo altamente
criativo.
Certa vez, no Lido, de Paris, vi
uma contorcionista coreana ou
vietnamita, sei lá, sei que devia
ser asiática pelo nome e pelos
olhos repuxados. Ela fez misérias
com o corpo. A amiga que eu levara ao espetáculo não acreditava,
dizia que a mulher era desossada,
feita de borracha.
Eu fiquei quieto, sem nada comentar. Evidente que a minha
amiga era de outra época, de uma
geração pós-submarino, pegara a
florescente indústria moteleira,
com direito a camas redondas, espelhos no teto, luz negra e menu à
la carte.
Até hoje, tantos anos passados,
não consegui apurar a veracidade
de um fato que causou emoção
suplementar entre os aficcionados
de tão empolgante esporte. Conheci pessoas de grande credibilidade que garantiam ter estado no
Arpoador na histórica noite. Um
casal se enroscou de tal forma no
banco traseiro de um Fusca, placa
de São João de Meriti, que não
houve jeito de se desenroscar. Parece que a mulher era muito grande e o homem muito pequeno. Ou
o contrário, o homem é que era
grande e a mulher pequena.
O fato é que os dois deram um
nó e dele não conseguiram sair.
Ficaram se debatendo lá dentro,
mas isso não chamou a atenção
de ninguém, pois, em geral, todos
se debatiam naquelas situações.
Até que a carrocinha do "Genial"
passou. O empregado pensou que
estava sendo chamado para vender um sanduíche ou um suco, se
aproximou, viu o problema. Deu
o alarme aos carros vizinhos.
Apareceram voluntários, desaparafusaram os bancos da frente
do carro e assim conseguiram tirar os dois que continuavam
enroscados, caídos na calçada.
Chamaram a radiopatrulha.
Levaram o casal para o hospital
Miguel Couto. Não sei como terminou o caso. Sei que terminaram as corridas de submarino noturno. Não por causa de complicações como essa ou afins. Em
tempo: terminaram também as
carrocinhas de "Genial". Tenho
uma bruta saudade delas.
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