São Paulo, sexta-feira, 28 de abril de 2000


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MÚSICA
Pacote traz gravações antigas dos astros cubanos Compay Segundo, Ibrahim Ferrer e Rubén González
CDs desafiam mitos de "Buena Vista"

CARLOS CALADO
especial para a Folha

Um pacote com quatro CDs, que a gravadora Velas vai distribuir às lojas na próxima semana, prova que nem tudo o que foi alardeado sobre o disco "Buena Vista Social Club" -responsável pelo recente "boom" mundial de música cubana- era verdade.
Originalmente editados pela Egrem (a gravadora estatal de Cuba), esses CDs mostram que o guitarrista norte-americano Ry Cooder, produtor de "Buena Vista Social Club", desempenhou um papel bem mais modesto que o de Cristóvão Colombo musical, delineado por grande parte da mídia internacional.
Você certamente já viu esse filme antes. Para chegar aos mercados dos EUA e da Europa, músicos talentosos do Terceiro Mundo precisaram ser apoiados por alguém de prestígio internacional. Foi assim com o veterano tropicalista Tom Zé, "descoberto" pelo músico e produtor David Byrne. Foi assim com o grupo sul-africano Ladysmith Black Mambazo e com o bloco afro-baiano Olodum, ambos "revelados" pelo cantor Paul Simon.
Cooder declarou em entrevistas que as canções do CD "Buena Vista" ainda estavam à espera de serem gravadas. Uma inverdade tão grande quanto a publicada em artigo da revista "Bravo!", em fevereiro último, afirmando que o "son" (o gênero mais característico da música cubana) chegou a ser proibido na ilha de Fidel. Sem dúvida, o "son" viveu um período de pouca popularidade a partir dos anos 60, mas jamais foi proibido.
O CD "Raíces" -uma antologia montada com gravações anteriores das mesmas 14 canções que compuseram "Buena Vista Social Club"- prova que Cooder estava, no mínimo, mal informado sobre os antecedentes do repertório que "descobriu" em Havana. Nas gravações de "Raíces", algumas dessas canções aparecem, inclusive, nas vozes dos mesmos intérpretes.
Esse é o caso do simpático Ibrahim Ferrer, 72, que surge acompanhado pelo conjunto Los Bocucos, cantando sua "De Camino a La Vereda" e "Ay Candela" (de Faustino Oramas), em versões que, graças à ênfase nos metais, soam até mais vibrantes que a de "Buena Vista".
Reveladoras também são duas versões de "Chan Chan", a composição do carismático cantor e violonista Compay Segundo, 92, que se tornou hit internacional ao abrir tanto o CD "Buena Vista" como o belíssimo documentário homônimo de Wim Wenders -atualmente em cartaz nos cinemas do país.
Não é preciso conhecimento musical para perceber, com uma simples audição, que a versão produzida por Cooder é bastante próxima à que Segundo e seu grupo já haviam feito antes (infelizmente, o encarte não informa a data). A maior diferença está no trompete que, em vez de pontuar a introdução da canção, só entra ao final da faixa.
Já a versão de "Chan Chan" que aparece no CD "Chanchaneando" (em gravação de 1989), com Segundo e Eliades Ochoa, soa mais próxima ainda à de "Buena Vista", exceto pelo andamento mais rápido.
Resumindo: em vários casos, o trabalho de Ry Cooder consistiu em regravar canções que já tinham sido registradas antes pelos mesmos intérpretes de "Buena Vista", com arranjos semelhantes, nos mesmos estúdios da gravadora estatal cubana.
Por outro lado, é evidente que, não fosse o sucesso internacional de "Buena Vista", a Egrem dificilmente lançaria uma compilação como "Raíces", mesmo que esta reúna nomes de grande expressão na música da ilha. Exatamente como no Brasil, em Cuba não há uma política de preservação de catálogo. Com poucas exceções, no mercado da ilha encontra-se somente as gravações mais recentes e comerciais.
Mas seria injusto estender essa crítica à Velas, a única gravadora brasileira que investiu em música cubana até hoje. Mais de 30 títulos do gênero já foram lançados por esse selo desde 1995, introduzindo ao público brasileiro nomes de primeira, como Bola de Nieve, Chucho Valdés & Irakere, Beny Moré, Cachao, Emiliano Salvador e NG La Banda.


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