São Paulo, quarta, 28 de maio de 1997.



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REFORMA AGRÁRIA
Governo financia documentário sobre assentamento fundiário, mas proíbe sua exibição comercial
Incra 'engaveta' vídeo sobre invasões

LUIZ ANTÔNIO RYFF
da Reportagem Local

Os problemas fundiários que dão tanta dor de cabeça ao presidente Fernando Henrique Cardoso chegam às telas do Brasil. Ou melhor, não chegam.
O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) não libera a exibição comercial do documentário "Sonho de Rose", dirigido pela cineasta Tetê Moraes com verbas do órgão público.
Oficialmente, o Incra não ficou satisfeito com o resultado do vídeo e vetou sua distribuição ou exibição comercial.
O diretor de assentamentos do Incra, Aécio Gomes de Matos, reconhece que o problema é político. E a decisão também.
Segundo Matos, o vídeo mostra como é um processo de invasão. "O filme fala do sucesso das invasões. O Incra não poderia assumir essa visão no presente momento."
Afinal, no mês passado, milhares de participantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) marchava sobre Brasília.
Filmado no ano passado, o vídeo mostra como estão e vivem os personagens do documentário "Terra para Rose", realizado pela mesma Tetê, há uma década, na fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul -local de uma das primeiras grandes invasões no campo.
"Não é que o filme seja subversivo. Ele retrata um pedaço da realidade. Mas o filme tem a cara da autora. Não tem a visão do Incra", justifica Matos.
"Não é um trabalho panfletário, nem propagandístico do MST", diz Tetê. "Mostro que o assentamento dá certo com a participação do Estado. Há cenas de técnicos do Incra no assentamento", afirma.
"Todos vão muito bem. Eles deixaram uma situação marginalizada e se transformaram em pequenos produtores rurais. Hoje, o assentamento tem 400 famílias e é altamente produtivo", diz Tetê.
Ela lamenta que a proibição seja motivada por "uma questão de momento". "Isso é um desgaste político para o próprio governo." Com a proibição do Incra, o vídeo só pode ser mostrado em festivais e em sessões especiais. "Eu me sinto uma 'sem-tela'", lamenta a cineasta.
Domínio público
O Incra financiou o vídeo. Por contrato, ele deveria consumir R$ 150 mil -de verba pública-, ter cerca de 45 minutos e ficar pronto em quatro meses. Segundo Tetê Moraes, ele demorou nove meses para ser realizado, com o dobro do custo e de duração.
Para isso, ela teve que desembolsar o resto do dinheiro. "Eu tenho cabeça de jornalista, de cineasta, não de burocrata", diz Tetê. Mas, por contrato, os direitos de propriedade e distribuição são exclusivos do Incra.
É essa cláusula contratual que ela quer revogar, já que o documentário ficou pronto, mas o Incra não tem mais interesse em distribuir o vídeo e não libera sua exibição comercial.
A cineasta quer que sua obra seja vista e, com isso, pretende recuperar o investimento feito.
Segundo Matos, foi aventada a hipótese de o Incra ceder seus direitos para a cineasta e desvincular seu nome da produção.
"Mas conversamos com a área jurídica e essa possibilidade poderia caracterizar malversação de verbas públicas."
"É preciso ter uma compromisso com as regras do jogo. A opinião pessoal não é necessariamente a mesma da instituição", diz Matos. Tetê quer autorização para buscar outros investidores, transformar o vídeo em filme e recuperar o dinheiro investido. Mas o Incra não concede a autorização.
A solução proposta pelo Incra é tornar o copião do vídeo domínio público e doá-lo a uma instituição pública. Quem se interessar poderá usar o material da forma que quiser. "Assim não estamos beneficiando ninguém e damos uma contribuição à arte", diz Matos.
A saída irrita a diretora. "É um absurdo. É um material autoral. E eu estou viva. Se for assim, a Rede Globo ou a UDR, por exemplo, podem pegar o vídeo e editar da maneira que quiserem, com um enfoque diferente do original."




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