São Paulo, sexta-feira, 28 de maio de 2004

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"O Outro Lado da Rua" embaralha os modos de ver

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta Marcos Bernstein, 34, acredita ter feito, com sua estréia na direção -"O Outro Lado da Rua", que é lançado hoje em oito cidades-, um filme sobre "a possibilidade do encontro de duas pessoas solitárias, em condições negativas, pouco comuns".
As pessoas são Regina (Fernanda Montenegro) e Camargo (Raul Cortez). Ela, separada e vivendo sozinha, tenta equilibrar o afeto pelo filho e o neto com rancores guardados do ex-marido. Ele, um juiz recém-viúvo e -desconfia Regina- assassino da própria mulher. Os dois são vizinhos em Copacabana, no Rio.
Mas não seria "O Outro Lado da Rua" mais propriamente um filme sobre os efeitos da solidão, visto que, pela "possibilidade do encontro", Regina abre mão de suas mais ferrenhas convicções, inclusive as morais? O diretor acha que não. "Não é um filme de redenção. É um filme de amadurecimento. Ela opta por abrir mão de uma coisa para ganhar outra."
Bernstein diz que rejeita os "filmes de redenção" por seus cacoetes de mostrar personagens "que começam de um jeito e terminam de outro" ou "fazer o protagonista sair vitorioso, provando no final que ele estava sempre certo".
Por isso "O Outro Lado da Rua", de acordo com o diretor e também roteirista, procurou fugir "daquela coisa dos traumas do passado, da freudianização barata sobre a vida dos personagens".
Na entrevista à Folha, Bernstein também tentou escapar de alguns rótulos, mesmo que não lhe tenham sido impostos. O diretor se precipitou em dizer que trabalhou duro para realizar o filme em três anos -desde a elaboração do roteiro até o lançamento-, com orçamento de R$ 4,5 milhões e um elenco de pesos pesados (além de Fernanda Montenegro e Raul Cortez, nos papéis principais, o filme tem Laura Cardoso em participação especial).
O que o cineasta parece temer é a fama de privilegiado numa indústria cinematográfica que, em geral, impõe muitas dificuldades aos iniciantes. "Não foram apenas três anos. Trabalhei por esse filme durante os nove anos em que formei minhas parcerias", diz.
A mais notória delas é a estabelecida com o diretor Walter Salles, para quem roteirizou "Central do Brasil" (1998), a quatro mãos com João Emanuel Carneiro, autor da atual novela das sete da Globo, "Da Cor do Pecado".
Sobre a interseção do cinema com a TV, ponto nevrálgico na indústria cinematográfica brasileira, Bernstein prefere não opinar. "As opiniões sobre esse tema são muito calorosas. Não gosto muito de teorizar. Sei o tipo de cinema que estou querendo fazer."
Mas esse "tipo de cinema", segundo o diretor, pode mudar a cada vez. No caso do primeiro filme, Bernstein diz que o fez "muito encantado com o cinema oriental, sobretudo o aspecto da construção de quadros".
Além da disposição pessoal de aproximação do cinema oriental, "O Outro Lado da Rua" traz outras referências notórias -a óbvia ao Alfred Hitchcock de "Janela Indiscreta" e uma evocação do chileno-espanhol Alejandro Amenábar, numa cena quase idêntica a "Abre los Ojos" (1997).
"Foi uma coincidência, não uma citação. Eu havia escrito o roteiro há muito tempo, sem ver "Abre los Ojos'", afirma o diretor.


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