|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONTOS/"HOMENS COM MULHERES"
Ajzenberg estréia em narrativa curta
COLUNISTA DA FOLHA
Querem assustar um editor,
brasileiro ou não? Proponham-lhe publicar um livro de
contos. Se não tiver um instantâneo ataque cardíaco, ele explicará
que este é um gênero considerado
maldito (em termos de venda, naturalmente). Que ninguém quer
ler contos. Que pior do que conto,
só poesia. Etc., etc.
Mesmo assim escritores continuam escrevendo contos. Como
não o fariam? O conto está na origem de toda a ficção, o conto corresponde àquela necessidade que
todos temos de narrar e de ouvir
histórias. Mais: literariamente o
conto é um desafio. Escrever um
bom conto é, acreditem, mais difícil do que escrever um bom romance. Por isso escritores corajosos (e editores idem) continuam
fiéis ao conto. Com belos resultados, como é o caso do paulista
Bernardo Ajzenberg, que acaba
de lançar pela Rocco "Homens
com Mulheres".
Jornalista de formação (foi ombudsman da Folha e escreve no
jornal desde 1987), sua paralela
trajetória literária apresenta um
detalhe curioso; em vez de seguir
o rumo habitual dos ficcionistas
brasileiros, indo do conto para o
romance (conforme aconselharia
o editor acima mencionado), Ajzenberg iniciou pela narrativa
mais longa, publicando cinco romances: "Carreiras Cortadas"
(ed. Francisco Alves, 1989), "Efeito Suspensório" (Imago, 1993),
"Goldstein & Camargo" (Imago,
1994), "Variações Goldman"
(Rocco, 1998), e "A Gaiola de Faraday" (Rocco, 2002), este premiado pela Academia Brasileira
de Letras. As resenhas destes livros destacaram não apenas o seu
domínio da linguagem como a capacidade de mergulhar profundamente na condição humana.
Estas qualidades estão presentes em "Homens com Mulheres",
uma coleção de 12 histórias curtas
que, como o título indica, têm como temática a relação entre os sexos. Que não é, isto fica claro já a
partir da primeira história, uma
relação simples ou classificável
em qualquer dos compartimentos usados pelos best-sellers.
"Um Encontro", por exemplo,
coloca num banco de praça um
homem machucado por uma relação difícil e uma moça desconhecida que, ele descobre, está
gravemente enferma. Mas esta situação é apresentada ao leitor como uma possibilidade, como se o
autor dissesse: "Complete, com
sua imaginação e com sua própria
experiência, o que você aqui leu".
Não se trata, vejam bem, de um
enigma; é antes um desafio. Já
"Síndrome do Jaleco Branco" fala
de um romance que nasce no consultório de uma jovem doutora, e
no qual a profissão médica revela-se, para o homem, uma inesperada fonte de angústia.
"Verme de Metal" é a história da
decadência de um homem frente
a uma mulher, uma decadência
rápida que, em poucos dias, ejeta
o personagem do mundo sofisticado (mansão com piscina etc.)
que foi o cenário de seus sonhos.
Em "Marcenaria", a grávida Edna
("marido escroto, cheio de falhas") tenta, mediante o aprendizado da arte da marcenaria, recuperar um pouco de sua dignidade
perdida; quando chega o fim do
curso, não é a criança que ela
quer, e sim "deixar para sempre
vazio o berço de madeira crua e
grades em forma de cruz: desforra
artesanal".
Não é leitura amena, como se
pode ver. E nem poderia sê-lo,
considerando os conflitos que vivem os personagens. Mas autenticidade é o que não falta aos contos
de Bernardo Ajzenberg. Com o
que ele dá uma bela contribuição
ao conto brasileiro contemporâneo. (MS)
Homens com Mulheres
Autor: Bernardo Ajzenberg
Editora: Rocco
Quanto: R$ 22 (96 págs.)
Texto Anterior: Autobiografia: Amós Oz transforma as suas memórias em boa literatura Próximo Texto: Reportagem: Foer usa a bola para analisar a globalização Índice
|