São Paulo, sábado, 28 de maio de 2005

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CONTOS/"HOMENS COM MULHERES"

Ajzenberg estréia em narrativa curta

COLUNISTA DA FOLHA

Querem assustar um editor, brasileiro ou não? Proponham-lhe publicar um livro de contos. Se não tiver um instantâneo ataque cardíaco, ele explicará que este é um gênero considerado maldito (em termos de venda, naturalmente). Que ninguém quer ler contos. Que pior do que conto, só poesia. Etc., etc.
Mesmo assim escritores continuam escrevendo contos. Como não o fariam? O conto está na origem de toda a ficção, o conto corresponde àquela necessidade que todos temos de narrar e de ouvir histórias. Mais: literariamente o conto é um desafio. Escrever um bom conto é, acreditem, mais difícil do que escrever um bom romance. Por isso escritores corajosos (e editores idem) continuam fiéis ao conto. Com belos resultados, como é o caso do paulista Bernardo Ajzenberg, que acaba de lançar pela Rocco "Homens com Mulheres".
Jornalista de formação (foi ombudsman da Folha e escreve no jornal desde 1987), sua paralela trajetória literária apresenta um detalhe curioso; em vez de seguir o rumo habitual dos ficcionistas brasileiros, indo do conto para o romance (conforme aconselharia o editor acima mencionado), Ajzenberg iniciou pela narrativa mais longa, publicando cinco romances: "Carreiras Cortadas" (ed. Francisco Alves, 1989), "Efeito Suspensório" (Imago, 1993), "Goldstein & Camargo" (Imago, 1994), "Variações Goldman" (Rocco, 1998), e "A Gaiola de Faraday" (Rocco, 2002), este premiado pela Academia Brasileira de Letras. As resenhas destes livros destacaram não apenas o seu domínio da linguagem como a capacidade de mergulhar profundamente na condição humana.
Estas qualidades estão presentes em "Homens com Mulheres", uma coleção de 12 histórias curtas que, como o título indica, têm como temática a relação entre os sexos. Que não é, isto fica claro já a partir da primeira história, uma relação simples ou classificável em qualquer dos compartimentos usados pelos best-sellers.
"Um Encontro", por exemplo, coloca num banco de praça um homem machucado por uma relação difícil e uma moça desconhecida que, ele descobre, está gravemente enferma. Mas esta situação é apresentada ao leitor como uma possibilidade, como se o autor dissesse: "Complete, com sua imaginação e com sua própria experiência, o que você aqui leu". Não se trata, vejam bem, de um enigma; é antes um desafio. Já "Síndrome do Jaleco Branco" fala de um romance que nasce no consultório de uma jovem doutora, e no qual a profissão médica revela-se, para o homem, uma inesperada fonte de angústia.
"Verme de Metal" é a história da decadência de um homem frente a uma mulher, uma decadência rápida que, em poucos dias, ejeta o personagem do mundo sofisticado (mansão com piscina etc.) que foi o cenário de seus sonhos. Em "Marcenaria", a grávida Edna ("marido escroto, cheio de falhas") tenta, mediante o aprendizado da arte da marcenaria, recuperar um pouco de sua dignidade perdida; quando chega o fim do curso, não é a criança que ela quer, e sim "deixar para sempre vazio o berço de madeira crua e grades em forma de cruz: desforra artesanal".
Não é leitura amena, como se pode ver. E nem poderia sê-lo, considerando os conflitos que vivem os personagens. Mas autenticidade é o que não falta aos contos de Bernardo Ajzenberg. Com o que ele dá uma bela contribuição ao conto brasileiro contemporâneo. (MS)


Homens com Mulheres
     Autor: Bernardo Ajzenberg
Editora: Rocco
Quanto: R$ 22 (96 págs.)


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