|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Com obras inéditas, Nuno Ramos volta a expor a tragédia cotidiana
Um dos principais artistas brasileiros tem mostra no CCBB de Brasília até julho
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Estavam atrasados os urubus. "Apareceram uns aqui, e
me deu uma vontade louca de
botar os bichos para dentro",
diz Nuno Ramos. Depois de levar jumentos ao Instituto Tomie Ohtake, um dos artistas
mais respeitados do país acaba
de montar um viveiro tétrico
no Centro Cultural Banco do
Brasil da capital federal. "Os
burrinhos me abriram muitos
caminhos, mas esta é uma obra
diferente", diz Ramos.
"Bandeira Branca" é a peça-chave de sua nova individual
aberta ontem para o público.
Três urubus, que chegaram a
Brasília horas antes do vernissage, vão viver entre caixas
acústicas de vidro e três túmulos de areia socada cobertos
com pedras negras.
Dos alto-falantes, saem três
vozes distintas, entoando morte, paz e violência. Mariana Aydar canta "Carcará"; Arnaldo
Antunes, "Bandeira Branca"; e
a sambista Dona Inah, "Acalanto", de Dorival Caymmi.
Mas nada em Nuno Ramos é
tão simples. A epopéia trágica
tem na base um "código de vitalidade". Os versos se alternam
cantados no tempo dos recordes de corrida: 100 m rasos, 200
m, até completar uma maratona. "Quero tocar na morte e na
vida. É minha estratégia."
Se em "Bandeira Branca" o
artista homenageia com 25 toneladas de areia preta as texturas sombrias do gravurista Oswaldo Goeldi, dá duas versões
dissonantes da morte nas galerias internas do CCBB: uma
ópera bufa e um rito fúnebre.
"Soap Opera" são dois muros
de sabão. Na ponta de cada um
deles, uma caixa de som. As vozes de um tenor e uma soprano
se alternam num melodrama
risonho sobre o atropelamento
de dois cachorros.
Ramos chegou a congelar um
cão empalhado, que ficaria junto das estruturas de sabão da
obra, mas desistiu da idéia. "Seria muito literal, tiraria a energia do trabalho", concluiu.
Menos literal, mais austera e
geométrica, "Monólogo para
um Cachorro Morto", obra que
ocupa sozinha outra sala do
CCBB, faz contraponto à ópera
de sabão. São cinco lápides de
mármore, iluminadas por trás.
Cada uma traz gravados trechos de um texto do artista em
homenagem ao cão. Na última
placa de mármore, um vídeo
mostra Ramos com um cachorro que encontrou morto à beira
da estrada: ele leva um rádio até
a carcaça do animal e toca uma
gravação do texto.
"O cachorro é um morto cotidiano, parece que está um grau
de cidadania abaixo, mas não
muito abaixo, dos excluídos",
diz Ramos. "É uma morte disseminada, está por toda parte."
Samba e letras
Ramos tenta enfrentar de cara essa tragédia cotidiana recorrendo ao samba e à literatura. As obras desta nova exposição retomam de forma consistente os experimentos recentes
do artista na tentativa de conferir matéria à palavra, seja gravando versos na superfície da
pedra, seja com o registro de
canto e fala. É óbvia a conexão
aqui com o teatro. Os trabalhos
todos operam na lógica da performance, criam expectativa e
precisam de uma fagulha para
entrar em ação.
Para tanto, os versos de Nelson Cavaquinho, Cartola e Carlos Drummond de Andrade
servem de estrutura e revestem
de uma brasilidade assumida os
esforços de Ramos. "Tem uma
coisa muito brasileira no que
eu faço", diz o artista, que se coloca na posição de "antivírus
num mundo que padroniza,
comprime expectativas".
É contra essa compressão, na
potência do acaso, que Ramos
encontra suas armas. A vida do
artista pode parecer muito com
a do jogador de futebol. Uma tela de Paulo Pasta equivaleria a
um drible de Robinho, nas palavras de Ramos, que também
escreveu sobre o jogo mais brasileiro de todos.
Seus ensaios são citados por
José Miguel Wisnik em "Veneno Remédio", livro que dedicou
ao futebol. "Arte é um jogo que
cada um joga", diz Ramos, lembrando que "uma partida que
acaba em zero a zero pode muito bem ter sido um jogaço."
NUNO RAMOS
Quando: de ter. a dom., das 9h às
21h; até 20/7
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil (SCES Trecho 2, lote 22, Brasília,
tel. 0/xx/61/3310-7087; classificação: 18 anos na galeria 1, livre nas
demais)
Quanto: entrada franca
saiba mais sobre o artista
Texto Anterior: Análise: Obra do diretor exala perfume nostálgico Próximo Texto: Moda: Dobradinha traz Tom Ford e Armani Índice
|