São Paulo, sábado, 28 de junho de 1997.



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SHOW CRÍTICA
Cássia faz réquiem dos 90

FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha

Cássia Eller deixa de lado o clima "pierrot retrocesso/meio bossa nova e rock'n roll" que ronda a música brasileira. Na temporada da onda acústica, em que o rock se dobra à dicção intimista e flerta com o lirismo bem comportado, ela prefere o lado de lá: eletrifica a música, abandona os meios tons, radicaliza os gestos, aposta na força desagregadora da violência.
Seu show "Veneno Antimonotonia", em cartaz até amanhã no Palace, em São Paulo, é um espetáculo de pulmões cheios, agressivo, raivoso, engajado.
Mais do que uma homenagem a Cazuza, o show exprime uma certa urgência, um certo desamparo, uma necessidade de acerto de contas da sua geração (que é também a de Renato Russo) com o Brasil, a "grande pátria desimportante".
Na abertura do show, o telão nos anuncia uma definição de dicionário: "Cazuza: s.m. abelha solitária de ferroada muito dolorosa". A seguir, o mesmo telão estampa: "Olhar o mundo com a coragem do cego. Ler da tua boca as palavras com a atenção do surdo. Falar com os olhos e as mãos como fazem os mudos."
Surge Cássia Eller, vestida de preto, envolvida por um sobretudo também preto, mas cujo forro interno traz as cores borradas da bandeira nacional -uma espécie de "parangolé fúnebre".
Hino às avessas
"Brasil", a primeira canção, abre o show com a força de um hino às avessas. "Brasil, quero ver quem paga/para a gente ficar assim/Brasil, qual é o teu negócio/o nome do teu sócio/confia em mim". O resto do show irá desdobrar o impacto da cena inicial, preparada pelas mãos de mestre do diretor Waly Salomão.
"Blues da Piedade", "Só as Mães São Felizes", "Mal Nenhum", "Por Que a Gente É Assim", de Cazuza, vêm juntas com "Geração Coca-Cola", de Renato Russo, "Vida Bandida", de Lobão, e "Todas as Mulheres do Mundo", de Rita Lee.
A voz da cantora, fulminante, vem acompanhada por um gestual deliberadamente porcalhão. Ela arranca suspiros do público GLS quando arrota, xinga, cospe no chão. Esse pé na delinquência "faz parte do seu show". Mais do que isso, captura e estiliza a delinquência de um país que serviu de matéria-prima aos poetas que ela canta. Catarse e réquiem, "Veneno Antimonotonia" é um grande show. Brasil, mostra a tua cara.


Show: Veneno Antimonotonia
Quando: hoje, às 22h, e amanhã, às 20h
Onde: Palace (Av. dos Jamaris, 213, Moema, tel. 531-4900)
Preço: de R$ 20 a R$ 40




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