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SHOW CRÍTICA
Cássia faz réquiem dos 90
FERNANDO DE BARROS E SILVA
especial para a Folha
Cássia Eller deixa de lado o clima
"pierrot retrocesso/meio bossa
nova e rock'n roll" que ronda a
música brasileira. Na temporada
da onda acústica, em que o rock se
dobra à dicção intimista e flerta
com o lirismo bem comportado,
ela prefere o lado de lá: eletrifica a
música, abandona os meios tons,
radicaliza os gestos, aposta na força desagregadora da violência.
Seu show "Veneno Antimonotonia", em cartaz até amanhã no
Palace, em São Paulo, é um espetáculo de pulmões cheios, agressivo,
raivoso, engajado.
Mais do que uma homenagem a
Cazuza, o show exprime uma certa
urgência, um certo desamparo,
uma necessidade de acerto de contas da sua geração (que é também a
de Renato Russo) com o Brasil, a
"grande pátria desimportante".
Na abertura do show, o telão nos
anuncia uma definição de dicionário: "Cazuza: s.m. abelha solitária
de ferroada muito dolorosa". A seguir, o mesmo telão estampa:
"Olhar o mundo com a coragem
do cego. Ler da tua boca as palavras com a atenção do surdo. Falar
com os olhos e as mãos como fazem os mudos."
Surge Cássia Eller, vestida de
preto, envolvida por um sobretudo também preto, mas cujo forro
interno traz as cores borradas da
bandeira nacional -uma espécie
de "parangolé fúnebre".
Hino às avessas
"Brasil", a primeira canção,
abre o show com a força de um hino às avessas. "Brasil, quero ver
quem paga/para a gente ficar assim/Brasil, qual é o teu negócio/o
nome do teu sócio/confia em
mim". O resto do show irá desdobrar o impacto da cena inicial, preparada pelas mãos de mestre do
diretor Waly Salomão.
"Blues da Piedade", "Só as
Mães São Felizes", "Mal Nenhum", "Por Que a Gente É Assim", de Cazuza, vêm juntas com
"Geração Coca-Cola", de Renato
Russo, "Vida Bandida", de Lobão, e "Todas as Mulheres do
Mundo", de Rita Lee.
A voz da cantora, fulminante,
vem acompanhada por um gestual
deliberadamente porcalhão. Ela
arranca suspiros do público GLS
quando arrota, xinga, cospe no
chão. Esse pé na delinquência "faz
parte do seu show". Mais do que
isso, captura e estiliza a delinquência de um país que serviu de matéria-prima aos poetas que ela canta.
Catarse e réquiem, "Veneno Antimonotonia" é um grande show.
Brasil, mostra a tua cara.
Show: Veneno Antimonotonia
Quando: hoje, às 22h, e amanhã, às 20h
Onde: Palace (Av. dos Jamaris, 213,
Moema, tel. 531-4900)
Preço: de R$ 20 a R$ 40
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