São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

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DANÇA/CRÍTICA

Rui Moreira recria modas de viola para o Cisne Negro

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Um percurso pelos caminhos sonoros da viola e pelas danças do Brasil serve de mote para a coreografia "C/ Cordas", de Rui Moreira, estreada pelo Cisne Negro no último fim de semana, no Teatro Municipal (SP). Tudo se passa com um modo suave de moldar as coisas, quase um artesanato de gestos, formas frágeis resistindo à pressão do real.
No início do espetáculo, cada um dos dançarinos, isoladamente, faz a sua seqüência de gestos, que irá acompanhá-lo depois por toda a peça. São movimentos que vêm das danças populares e agora procuram uma nova força, pela estilização e pelo contato com os corpos treinados em outras linguagens. No final, a dança de grupo explode em rodas de alegria.
Em algumas cenas (como essa mesmo das rodas), a estilização de festas populares é bem explícita. Exemplo: a bailarina que gira os braços incessantemente de trás para frente, como se tivesse rodando uma corda. Ou o enorme chapéu carnavalesco com franjas negras. Ou o bamboleio dos quadris. Cada signo tem sua frase de movimento, que pode ou não ser desenvolvida.
Ninguém poderia criticar, a priori, esse tipo de transformação do Brasil profundo em cena. O projeto é esse e precisa ser visto em seus próprios e consagrados termos. O difícil, a cada caso, é descobrir até que ponto a repetição de gestos, sem estrutura dramatúrgica, não corre o risco de esvaziar um pouco os sentidos dessa mesma transformação.
No fundo do palco, bem no centro, as cordas da viola vão do chão ao teto (cenário de Iara Freiberg). De tempos em tempos, um dançarino as faz vibrar, para imprimir novo ritmo à cena. E os adereços -chapéus, tiaras de noiva, lenços- tiram do imaginário violeiro a energia que colore o bom figurino básico, em preto e branco, de André Cortez.
De violeiros como Renato Andrade e Ivan Vilela aos tons étnicos de Babilak Bah e ao quase jazzístico violonista Camilo Carrara, sem falar no bandolim de um regional, tocando Anacleto de Medeiros, a trilha faz uma colagem de estilos.
Pergunta: se não chega, afinal, a garantir a coesão sonhada, nessa soma de cordas, isso não acaba criando problemas para a construção da peça como um todo? Como encontrar um fio, mesmo que descontínuo, para ligar a seqüência de abstrações e alusões da dança?
A questão toca em outro ponto: como encontrar novas formas e novos sentidos para esse vocabulário de movimentos, tão rico de memórias. Em cada gesto novo, "C/ Cordas" guarda algo do movimento anterior; como se aqui o que mais importasse fosse a resistência de entregar a forma ao seu próprio limite. E sempre vibrando nas cordas das violas.
Completando o programa da companhia, dirigida há 28 anos por Hulda Bittencourt, o Cisne Negro dançou também "Além da Pele", de Patrick Delcroix. Dançou lindamente, com movimentos e composição precisos e um trabalho de luz sofisticado.
Mais uma vez, porém, o calcanhar-de-aquiles é a trilha eletrônica, repetitiva e datada desde a primeira audição. Entendem-se as limitações que obrigam os coreógrafos a montarem suas próprias trilhas, reunindo pedacinhos, mas é um risco.
O que não parece jamais em dúvida é a capacidade técnica do grupo Cisne Negro: seja nas linhas de Delcroix, seja nas sinuosidades de Moreira, eles são sempre exuberantes e sempre um prazer de ver.


Avaliação:    

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