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DANÇA/CRÍTICA
Rui Moreira recria modas de viola para o Cisne Negro
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Um percurso pelos caminhos
sonoros da viola e pelas danças do Brasil serve de mote para a
coreografia "C/ Cordas", de Rui
Moreira, estreada pelo Cisne Negro no último fim de semana, no
Teatro Municipal (SP). Tudo se
passa com um modo suave de
moldar as coisas, quase um artesanato de gestos, formas frágeis
resistindo à pressão do real.
No início do espetáculo, cada
um dos dançarinos, isoladamente, faz a sua seqüência de gestos,
que irá acompanhá-lo depois por
toda a peça. São movimentos que
vêm das danças populares e agora
procuram uma nova força, pela
estilização e pelo contato com os
corpos treinados em outras linguagens. No final, a dança de grupo explode em rodas de alegria.
Em algumas cenas (como essa
mesmo das rodas), a estilização
de festas populares é bem explícita. Exemplo: a bailarina que gira
os braços incessantemente de trás
para frente, como se tivesse rodando uma corda. Ou o enorme
chapéu carnavalesco com franjas
negras. Ou o bamboleio dos quadris. Cada signo tem sua frase de
movimento, que pode ou não ser
desenvolvida.
Ninguém poderia criticar, a
priori, esse tipo de transformação
do Brasil profundo em cena. O
projeto é esse e precisa ser visto
em seus próprios e consagrados
termos. O difícil, a cada caso, é
descobrir até que ponto a repetição de gestos, sem estrutura dramatúrgica, não corre o risco de esvaziar um pouco os sentidos dessa mesma transformação.
No fundo do palco, bem no centro, as cordas da viola vão do chão
ao teto (cenário de Iara Freiberg).
De tempos em tempos, um dançarino as faz vibrar, para imprimir novo ritmo à cena. E os adereços -chapéus, tiaras de noiva,
lenços- tiram do imaginário
violeiro a energia que colore o
bom figurino básico, em preto e
branco, de André Cortez.
De violeiros como Renato Andrade e Ivan Vilela aos tons étnicos de Babilak Bah e ao quase jazzístico violonista Camilo Carrara,
sem falar no bandolim de um regional, tocando Anacleto de Medeiros, a trilha faz uma colagem
de estilos.
Pergunta: se não chega, afinal, a
garantir a coesão sonhada, nessa
soma de cordas, isso não acaba
criando problemas para a construção da peça como um todo?
Como encontrar um fio, mesmo
que descontínuo, para ligar a seqüência de abstrações e alusões
da dança?
A questão toca em outro ponto:
como encontrar novas formas e
novos sentidos para esse vocabulário de movimentos, tão rico de
memórias. Em cada gesto novo,
"C/ Cordas" guarda algo do movimento anterior; como se aqui o
que mais importasse fosse a resistência de entregar a forma ao seu
próprio limite. E sempre vibrando nas cordas das violas.
Completando o programa da
companhia, dirigida há 28 anos
por Hulda Bittencourt, o Cisne
Negro dançou também "Além da
Pele", de Patrick Delcroix. Dançou lindamente, com movimentos e composição precisos e um
trabalho de luz sofisticado.
Mais uma vez, porém, o calcanhar-de-aquiles é a trilha eletrônica, repetitiva e datada desde a
primeira audição. Entendem-se
as limitações que obrigam os coreógrafos a montarem suas próprias trilhas, reunindo pedacinhos, mas é um risco.
O que não parece jamais em dúvida é a capacidade técnica do
grupo Cisne Negro: seja nas linhas de Delcroix, seja nas sinuosidades de Moreira, eles são sempre
exuberantes e sempre um prazer
de ver.
Avaliação:
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