São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

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LITERATURA

Joan Brossa tem lançada antologia de poemas escritos e visuais, que também serão objeto de exposição em outubro

Poeta catalão faz desmonte da palavra

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim escreveu João Cabral de Melo Neto sobre um amigo catalão, em poema do livro "Paisagens com Figuras": "Nas feiras de Barcelona,/ Joan Brossa, poeta buscão,/ as sete caras do dado,/ as cinco patas do cão/ antes buscava, Joan Brossa,/ místico da aberração,/ buscava encontrar nas feiras/ sua poética sem-razão".
Quando se conheceram, em 1947, Brossa era, já aos 28 anos de idade, um dos mais ousados na vanguarda da Barcelona daquele tempo, anunciando na relação com artistas como Joan Miró e Antoni Tàpies os extremos a que levaria o fazer poético.
A relação entre o Brasil e a poesia catalã, iniciada naquela amizade, se intensifica neste ano com dois novos atos: o lançamento do livro "Poesia Vista", antologia dos poemas visuais, escritos e poemas-objeto de Joan Brossa, numa parceria entre as editoras Amauta e Ateliê, e uma exposição itinerante de suas obras pela América Latina, que passará por São Paulo, de 13 de outubro a 27 de novembro, e em seguida por Porto Alegre e Rio de Janeiro, em 2006.
Sim, uma exposição das obras de um poeta, não estranhe o leitor -ou, neste caso, o espectador. "Brossa tinha o simples propósito de criar poesia em qualquer de suas possibilidades visuais e materiais", explica Sérgio González, chileno responsável pela curadoria da exposição, que tem Santiago como primeira parada, agora em julho. "Devemos entender o conceito "poeta" como um criador universal de arte, sem esquecer que a dimensão lírica e estética sempre se encontra presente em suas obras, inclusive nas mais conceituais", diz González.

Poesia em tudo
A arte de Brossa consiste em ver poesia em tudo, mas diferenciando-se de Marcel Duchamp e seu mictório, por exemplo. Não é seu intuito esvaziar o conceito do que é artístico ou deitar ruínas sobre a poética convencional. Pelo contrário, no decorrer de sua longa carreira, interrompida apenas com sua morte, em 1998, foram vários os retornos a formas clássicas, como sonetos e sextilhas.
Entretanto, seu grande diferencial está no extremo a que levou a materialidade da palavra, conduzindo a uma "objetualização dos próprios signos da linguagem", segundo explica o poeta e tradutor Ronald Polito, o primeiro a traduzir Brossa no Brasil, com o livro "Poemas Civis" (7 Letras). "Ele investigava as propriedades da antilírica e, talvez, seu correlato, a poetização do cotidiano mais reles", afirma Polito.

Letra A
Em "Poesia Vista", a letra A, por exemplo, é conduzida por seis experiências, sendo desmontada, partida ao meio ou invertida. Neste caso, torna-se clara a criação de Brossa. Não se trata de jogo hermético, ou mesmo de poética inteiramente "sem-razão", como escrevera João Cabral. Invertida, a letra ganha o título de "Cabeça de Boi", e é inegável a concretude dessa representação.
É a atenção ao título e à relação entre significado e significante que nos impede de considerar Brossa estritamente artista plástico. "Há uma chave léxica para cada obra, que é seu título, o que faz Brossa estar sempre colado no verbal", diz Vanderley Mendonça, responsável pela seleção e tradução dos poemas do livro. "Brossa, em muitos casos, busca a fenda existente entre um objeto e o título que ele possa possuir, criando um campo de sentidos que transcenda ambos", acrescenta Polito.
Quanto à seção de poemas escritos, a escolha foi pelos que alcançassem maior universalidade, tentando evitar referências muito específicas à cultura catalã. Dessa forma, é apresentado um Brossa meta-poeta, que discute a poesia no exato instante em que a faz.
O multifacetado Brossa, autor também de ações musicais, poesia cênica, peças de teatro, roteiros de cinema e poemas corpóreos, também era mágico, e trouxe para dentro da poesia, não o tema da magia, mas a mágica em si. "Ele fala com o leitor e anuncia uma palavra, mas de repente ela não está mais lá", diz Mendonça. A definição do próprio Brossa talvez o diga com mais eloqüência: "A poesia é um jogo em que, sob uma realidade aparente, aparece uma outra de repente".


Poesia Vista
Autor:
Joan Brossa
Tradutor: Vanderley Mendonça
Editoras: Amauta e Ateliê
Quanto: R$ 39,00 (132 págs.)

Quando: lançamento amanhã, às 19h, na Casa das Rosas (av. Paulista, 37, SP, tel. 0/xx/11/3285-6986)


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