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LITERATURA
Joan Brossa tem lançada antologia de poemas escritos e visuais, que também serão objeto de exposição em outubro
Poeta catalão faz desmonte da palavra
JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL
Assim escreveu João Cabral de
Melo Neto sobre um amigo catalão, em poema do livro "Paisagens com Figuras": "Nas feiras de
Barcelona,/ Joan Brossa, poeta
buscão,/ as sete caras do dado,/ as
cinco patas do cão/ antes buscava,
Joan Brossa,/ místico da aberração,/ buscava encontrar nas feiras/ sua poética sem-razão".
Quando se conheceram, em
1947, Brossa era, já aos 28 anos de
idade, um dos mais ousados na
vanguarda da Barcelona daquele
tempo, anunciando na relação
com artistas como Joan Miró e
Antoni Tàpies os extremos a que
levaria o fazer poético.
A relação entre o Brasil e a poesia catalã, iniciada naquela amizade, se intensifica neste ano com
dois novos atos: o lançamento do
livro "Poesia Vista", antologia
dos poemas visuais, escritos e
poemas-objeto de Joan Brossa,
numa parceria entre as editoras
Amauta e Ateliê, e uma exposição
itinerante de suas obras pela
América Latina, que passará por
São Paulo, de 13 de outubro a 27
de novembro, e em seguida por
Porto Alegre e Rio de Janeiro, em
2006.
Sim, uma exposição das obras
de um poeta, não estranhe o leitor
-ou, neste caso, o espectador.
"Brossa tinha o simples propósito
de criar poesia em qualquer de
suas possibilidades visuais e materiais", explica Sérgio González,
chileno responsável pela curadoria da exposição, que tem Santiago como primeira parada, agora
em julho. "Devemos entender o
conceito "poeta" como um criador
universal de arte, sem esquecer
que a dimensão lírica e estética
sempre se encontra presente em
suas obras, inclusive nas mais
conceituais", diz González.
Poesia em tudo
A arte de Brossa consiste em ver
poesia em tudo, mas diferenciando-se de Marcel Duchamp e seu
mictório, por exemplo. Não é seu
intuito esvaziar o conceito do que
é artístico ou deitar ruínas sobre a
poética convencional. Pelo contrário, no decorrer de sua longa
carreira, interrompida apenas
com sua morte, em 1998, foram
vários os retornos a formas clássicas, como sonetos e sextilhas.
Entretanto, seu grande diferencial está no extremo a que levou a
materialidade da palavra, conduzindo a uma "objetualização dos
próprios signos da linguagem",
segundo explica o poeta e tradutor Ronald Polito, o primeiro a
traduzir Brossa no Brasil, com o
livro "Poemas Civis" (7 Letras).
"Ele investigava as propriedades
da antilírica e, talvez, seu correlato, a poetização do cotidiano mais
reles", afirma Polito.
Letra A
Em "Poesia Vista", a letra A, por
exemplo, é conduzida por seis experiências, sendo desmontada,
partida ao meio ou invertida.
Neste caso, torna-se clara a criação de Brossa. Não se trata de jogo hermético, ou mesmo de poética inteiramente "sem-razão",
como escrevera João Cabral. Invertida, a letra ganha o título de
"Cabeça de Boi", e é inegável a
concretude dessa representação.
É a atenção ao título e à relação
entre significado e significante
que nos impede de considerar
Brossa estritamente artista plástico. "Há uma chave léxica para cada obra, que é seu título, o que faz
Brossa estar sempre colado no
verbal", diz Vanderley Mendonça, responsável pela seleção e tradução dos poemas do livro.
"Brossa, em muitos casos, busca a
fenda existente entre um objeto e
o título que ele possa possuir,
criando um campo de sentidos
que transcenda ambos", acrescenta Polito.
Quanto à seção de poemas escritos, a escolha foi pelos que alcançassem maior universalidade,
tentando evitar referências muito
específicas à cultura catalã. Dessa
forma, é apresentado um Brossa
meta-poeta, que discute a poesia
no exato instante em que a faz.
O multifacetado Brossa, autor
também de ações musicais, poesia cênica, peças de teatro, roteiros de cinema e poemas corpóreos, também era mágico, e trouxe para dentro da poesia, não o
tema da magia, mas a mágica em
si. "Ele fala com o leitor e anuncia
uma palavra, mas de repente ela
não está mais lá", diz Mendonça.
A definição do próprio Brossa talvez o diga com mais eloqüência:
"A poesia é um jogo em que, sob
uma realidade aparente, aparece
uma outra de repente".
Poesia Vista
Autor: Joan Brossa
Tradutor: Vanderley Mendonça
Editoras: Amauta e Ateliê
Quanto: R$ 39,00 (132 págs.)
Quando: lançamento amanhã, às 19h,
na Casa das Rosas (av. Paulista, 37, SP,
tel. 0/xx/11/3285-6986)
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