São Paulo, sábado, 28 de junho de 2008

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análise

Autor polemizou com tropicalistas e concretistas

FRANCISCO ALAMBERT
ESPECIAL PARA A FOLHA

O conjunto da obra de Roberto Schwarz constitui um dos maiores avanços da crítica cultural materialista do século 20. Isso resume a opinião de pensadores do porte de Fredric Jameson, Perry Anderson, T. J. Clark ou Susan Sontag, de Antonio Candido, Paulo Arantes, Fernando Novais ou Chico de Oliveira. Outros, de igual quilate, lá e cá, discordam solenemente. Mas ninguém que tente pensar a cultura e a vida social contemporânea pode ficar indiferente à obra deste crítico.
A mais ampla exegese crítica da oba de Schwarz está no livro "Um Crítico na Periferia do Capitalismo" (Companhia das Letras). Nesta obra, cerca de 30 autores, uns mais entusiastas, outros menos, corroboram o que foi dito acima. Já as idéias francamente hostis ao legado do crítico estão dispersas entre os trabalhos de direitistas, neoconservadores, marxistas vulgares, concretistas de carteirinha, pós-modernistas e neotropicalistas, por exemplo.
Roberto Schwarz nasceu na Áustria, veio criança ao Brasil. Perdeu o pai aos 15 anos e desde então o crítico Anatol Rosenfeld passou a acompanhar seus estudos. Já na USP, conheceu Antonio Candido e participou do famoso "Seminário do Capital", iniciativa multidisciplinar de um grupo de jovens professores e de alguns de seus alunos, cuja interpretação desabusada do marxismo deu a chave para que ele enfrentasse livremente as dificuldades que a experiência brasileira opunha aos esquemas marxistas.
Dessa experiência, retirou a idéia de que era preciso sempre refletir através dos desajustes do desenvolvimento do capitalismo que, mal ou bem ajustados, formam a experiência própria das nações periféricas e da diferença brasileira. Foi esse princípio dialético que o levou às análises originais dos romances de Machado de Assis e ao tão polêmico e freqüentemente mal compreendido ensaio "As Idéias Fora do Lugar". O conceito de formação de Antonio Candido, as técnicas de leitura do "new criticism" depuradas pela crítica materialista da cultura tomada de Marx, revisto através da experiência brasileira, de Lukács e da Escola de Frankfurt, mais a atenta leitura do modernismo e de uma boa dose de boêmia e bom humor: este é, se não me engano, o resumo do esquema de Roberto Schwarz.

Debate contemporâneo
Mas o autor também vem participando do debate contemporâneo introduzindo outros pensadores, como o crítico social Robert Kurz, o crítico literário Dolph Oehler ou a narrativa explosiva de "Cidade de Deus", de Paulo Lins. Ou então polemizando, ora com o tropicalismo, ora com os concretistas e, atualmente, com as concepções pós-estruturalistas (como se pode ver nas inversões de sentidos que fez através da comparação entre a Capitu, de Machado, e a menina escritora do livro de Helena Morley, "Minha Vida de Menina", publicada em seu livro "Duas Meninas"). Nesse meio tempo, escreveu poemas, uma brechtiana peça teatral ("A Lata de Lixo da História", 1977), textos de intervenção, traduziu Brecht, Schiller, Marx, Adorno.
A obra de Roberto Schwarz está de tal modo entranhada na cultura contemporânea que saudá-la já não é necessário. A questão hoje é decidir se continuamos ou não a forma de análise crítica marxista que ele criou para interpretar as conexões e desconexões do capitalismo e de sua cultura. Uma forma cujo acerto crítico advém de cerrada análise estética que entra fundo na composição do texto ou no universo das idéias e revela a hora histórica, os sentidos contraditórios do tempo. Essa decisão significa definir quem somos e para onde vamos.


FRANCISCO ALAMBERT é professor do departamento de história da USP


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