São Paulo, Segunda-feira, 28 de Junho de 1999
Próximo Texto | Índice

Rita Ribeiro coloca o Maranhão no tabuleiro



Cantora maranhense lança "Pérolas aos Povos" em que canta músicas de antigos e novos compositores
PEDRO ALEXANDRE SANCHES

da Reportagem Local

O Maranhão tem voz outra vez. Ao estrear numa grande gravadora -e lançar seu segundo CD, "Pérolas aos Povos"-, a cantora Rita Ribeiro, 33, recoloca a música maranhense no mapa musical do país.
Com poucos nomes de projeção nacional -João do Vale e Alcione entre eles-, o Estado tem hoje em Zeca Baleiro e Rita Ribeiro autor e intérprete, ainda que os rejeitasse quando eles ainda moravam lá.
Migrantes em São Paulo desde o início da década, só tiveram caminho aberto após o advento do paraibano Chico César, que restabeleceu na cena nacional uma MPB de cunho algo regionalista.
Paciente -"aprendi fazendo faculdade de enfermagem"-, Rita entra na tal MPB como porta-voz da música maranhense -interpreta desde o veterano e quase desconhecido Antônio Vieira até Zeca Baleiro- e do underground -no novo CD, apresenta Natalia Mallo, Isla Jay e Vânia Borges.
Em entrevista à Folha, a também underground (ainda) Rita Ribeiro conta sua história.

ONDE, QUANDO, COMO, POR QUÊ -
"Vou cantar um trecho da música do Itamar Assumpção: "Eu sou do Maranhão/ Vim ao mundo pra cantar/ É bumba, reggae, baião/ Salsa, blues, jazz, cha-cha-cha" (ri). Sou do interior, de São Benedito do Rio Preto, mas fui criada na ilha mesmo, na periferia. Aos 8 anos, morava na Cohab, ouvia reggae a noite inteira, deitada na cama, o baixo batendo no peito.
Música para mim era uma coisa quase inviável. Tentei fazer medicina, mas fiquei na segunda opção -entrei em enfermagem, cheguei a fazer veterinária também. Não terminei nada, não tinha a ver.
No contato com a universidade, passei a me envolver com movimentos culturais na cidade. Cantei e dancei com grupos folclóricos e fiz meu primeiro show em 1989, com direção do Zeca Baleiro.
Cantava com ele em bares, os caras implicavam porque o repertório era equivocado para eles. Aí casei e mudei para São Paulo com o marido. Fui recepcionista de escola de autista, gerente de loja de shopping, cantei em cantina.
Enquanto isso, comecei a estudar canto com Ná Ozzetti e Madalena Bernardes. Fiquei três anos, estudando mesmo. Sou estudiosa."

CHICO, ZECA -
"Chico César estava aqui fazia mais tempo, foi quem começou tudo. Ele morava com Zeca, e eu, do outro lado da rua. Vamos nos reencontrar agora no festival de Montreux, mas hoje a gente se vê muito menos. Por isso não dá para entrar numa viagem de "neotropicalistas". Hoje impera um individualismo real, assumido. É uma perda, contato com pessoas que criam faz falta."

PRIMEIRO DISCO -
"Depois de montar banda, fazer show, o passo seguinte era fazer uma demo. Viabilizei com minha família, já os tinha convencido que não tinha jeito, que eu ia ser uma cantora. Zeca produziu e estava fazendo o dele no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Fui atrás das gravadoras, e a primeira porta em que bati, da Velas, se abriu. Cansei de ouvir reclamações, que ninguém encontrava o disco nas lojas. A repercussão foi porque o bicho foi embora, o CD falou sozinho."

NEOTROPICALISTA -
"Eu não me identifico como a Gal do ano 2000 de jeito nenhum. É um equívoco. Chico tem, mesmo, um certo culto ao movimento tropicalista, mas minha história não é tanto assim. Antes de ouvir Caetano e Gil, eu ouvia Lindomar Castilho e Waldick Soriano. Não tinha facilidade para ter disco em casa; a música da rua foi minha maior escola. Vivia nos terreiros de umbanda, bumba-meu-boi, tambor de crioula."

SEGUNDO DISCO -
"Mazzola (diretor da nova gravadora) achava que eu não tinha repertório, até pensou em fazer um disco ao vivo. Mas constatei que não estava madura. Quando mostrava os autores novos, ele quase dava um treco, mas deixou. Questionou muito, mas investiu no risco. Não quero dar passo maior que a perna, a palavra de ordem desse disco é continuidade. Sou contra essa pressa desesperada, de ter que mudar se não acontecer agora. Mas também sei que, se um disco desses não funciona, coitadinha da nega!"

NOVOS AUTORES -
"Erasmo Dibel, autor de "Filhos da Precisão", é do interior do Maranhão, de Imperatriz. Ele começou a aparecer na cena musical de São Luís e caiu no gosto local, quando eu já estava em São Paulo. É meu desejo de ouvir uma música com minha voz nos salões de reggae de São Luís.
Natalia Mallo é uma argentina que conheci aqui em São Paulo. Ela canta em português, sem sotaque, é alucinada por MPB. Gosto da música ("Déjà Vu'), me lembra Jackson Five, a letra nem tanto particularmente...
Isla Jay (autora da faixa-título) é importantíssima na minha carreira. É fotógrafa e artista plástica, foi ela quem inventou os "pitós" da minha cabeça. A gravadora não queria, mas foi um diferencial, todas as cantoras tinham capas na estética de cabelos esvoaçantes, nordestinas ao vento. Falei: "Não vai ser possível". Rolou o impacto, mesmo que algumas pessoas digam: "Que diabo de mulher horrível!" (risos)."

VELHOS AUTORES -
"Antônio Vieira é um grande sambista, tem 80 anos e sonha viver como músico. É aposentado, vive de bico, mas é um sonhador, uma criança. Aí você vê a burrice de um Estado que não percebe o que tem, não dá valor. Há outros muitos lá.
São coisas que tenho vontade de fazer, um disco com a velha guarda do Maranhão e um com João do Vale. Tenho material para três discos só de Antônio Vieira. Não precisa arreganhar a bunda para nada, ele é sutil."


Próximo Texto: Devagar, a cantora está chegando lá
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.