São Paulo, Segunda-feira, 28 de Junho de 1999
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TEATRO
Atriz volta à cena com uma personagem, Patty Diphusa, que ela diz ser a "síntese" de tudo que já fez
Christiane Tricerri leva Almodóvar ao palco

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

A "vedete" Christiane Tricerri, 38, agora mãe de Isadora, 1 ano e quatro meses, está de volta a seu personagem preferido. Se tudo der certo, ela retorna ao palco no mês de outubro, dirigida por Marília Pêra, no papel de Patty Diphusa, uma estrela de fotonovelas pornô transformada em diva de revista pós-moderna.
É uma personagem do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, criada em textos esparsos durante os anos 80, reunidos em livro em 91 (ed. Martins Fontes, 92).
A atriz foi achar Patty Diphusa quando deixou o Ornitorrinco, grupo dirigido por Cacá Rosset e do qual ela fez parte por mais de uma década. A gravidez adiou um pouco a produção, mas não cortou a vontade.
"A Patty Diphusa é a síntese de tudo o que eu fiz", diz ela. "É um ícone do consumo, uma atriz de fotonovelas reconhecida internacionalmente, segundo ela. É a inspiradora do Andy Warhol. A arte pop não existiria sem ela. E ela nunca dorme, porque dormir significaria a morte."
A atriz vai relacionando coincidências com a personagem, como o fato de que fez fotonovela, no papel de Mara Tara, criada pelo cartunista Angeli.
"Foi nos anos 80 também", diz, "e até hoje eu sou reconhecida por causa dessas fotonovelas, por uma moçada. A Mara Tara era crítica, era agressiva".
A coincidência maior é que, sem chegar aos extremos da personagem, Christiane Tricerri também vê certa ironia crítica na nudez que marcou toda a sua carreira no palco -que acaba de completar redondos 20 anos.
O comediante Ary França, que também foi do grupo Ornitorrinco, dizia de Christiane que ela tinha "corpo maravilhoso, mas uma cabeça que atrapalha".
A atriz, que se formou em direção teatral na Escola de Comunicação e Artes da USP, escreveu a adaptação para teatro de "Patty Diphusa e Outros Textos", o livro de Almodóvar, e obteve a aprovação do cineasta.
Mandou o texto para Marília Pêra, que teria concordado em dirigir. No elenco, além dela, Ricardo Castro, Milhem Cortaz e Mila Ribeiro, como parte de uma nova companhia chamada La Nave -também o nome da revista em que Patty/Almodóvar publicou suas "memórias".

"Nua, não"
Se a cabeça "atrapalha" ou não, o certo é que o corpo de Christiane Tricerri esteve descoberto em quase todas as peças de que participou. Uma exceção talvez seja, é o que ameaça a atriz, "Patty Diphusa". "Ela não aparece nua, não", diz, "mas esta é uma questão para resolver depois".
A atriz vai relatando sua carreira, em "síntese". Em sua primeira peça, com 17 para 18 anos, uma montagem de "Equus" que permaneceu dez meses em cartaz, ela já estava sem roupa. "Eu me lembro que meu pai nem quis ver, porque eu estava nua", diz rindo. "Nua completamente."
A primeira peça profissional veio já nos anos 80, "O Mal Secreto". "Eu era assassinada. Nua também. Mas o Sábato (Magaldi, crítico) me elogiou." Depois veio "Bella Ciao". Seu personagem, Lucchina Buona Gamba, Lucchina "boa perna", rendeu prêmio de melhor atriz da associação de críticos.
Começou então a longa fase do Ornitorrinco, com espetáculos de repercussão como "Ubu", de Alfred Jarry, que ficou anos em cartaz, "O Doente Imaginário", de Molière, "A Comédia de Erros", de Shakespeare.
Foi quando Christiane Tricerri trouxe um livro da Itália, "Il Segreto della Commedia Dell'Arte", e passou até a dar palestras sobre como a mulher foi introduzida, finalmente, no teatro.
"Os atores da comédia italiana viram que não tinham mais público", conta ela, "e foram atrás dos vendedores ambulantes, passaram a andar com eles. Eles abriam baús, tiravam coisas coloridas, e tinham mulheres para ajudar a vender, lindas mulheres, que atraíam. E os atores levaram então a mulher ao palco. Foi aí, na commedia dell'arte. Que depois dominou o teatro por quatro séculos."
O momento maior de sua carreira no Ornitorrinco -e, de certa maneira, também de sua nudez- foi "Sonho de uma Noite de Verão", de Shakespeare. Christiane Tricerri estreou nua no Central Park, em Nova York, no verão, e a montagem causou furor nos tablóides da cidade.
Acabou na "Playboy" americana como um dos momentos "sensuais" do ano -ao lado de Madonna e Cicciolina, o que ela conta com orgulho, mais por Cicciolina do que por Madonna. Recebeu uma oferta da "Playboy" brasileira, mas recusou.
Indecisa quanto à nudez em "Patty Diphusa", a atriz já tem outra papel na cabeça. "Eu tenho uma tradução de "Salomé", que eu mesma fiz e vou interpretar. E eu vou fazer "A Megeda Domada". Mas depois eu quero tragédia."


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