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TEATRO
Antunes lê "Medéia" com e contra Eurípedes
KIL ABREU
CRÍTICO DA FOLHA
O aspecto mais estimulante
da "Medéia" de Antunes Filho é que o diretor trabalha ao
mesmo tempo com e contra Eurípedes. Nessa curiosa dialética estão em jogo, e não exatamente em
lados opostos, a conhecida tentativa de desnaturalização do mito
grego, pretendida por Eurípedes,
ao lado do indisfarçado desejo de
retorno ao seio ordenado da natureza, que se pode intuir da montagem dirigida por Antunes.
Não à toa, Eurípedes estará, a
2.500 anos de distância, mais próximo da modernidade exemplar
de um Ibsen e de seus contemporâneos. Com "Medéia", seu pré-iluminismo supõe não uma justiça natural -que em Ésquilo e Sófocles era regida por força do
equilíbrio divino-, mas uma justiça comandada pelo acaso, construção dos homens.
Como não condenar as razões
de Jasão, o homem que trai os filhos e a mulher que por ele fez o
impossível? Mas como não compadecer-se dele, ao final, diante
das desgraças? Por outro lado, como julgar a mulher que mata os
próprios filhos sem que nos esforcemos por compreender a violenta força quase irracional de seus
atos? É na defesa desses motivos,
que articulam o psicológico ao social, que Eurípedes vai fazer sua
declaração de amor à razão humana, mesmo quando discute
seus limites, o caso de "Medéia".
Em sua adaptação para o mito,
Antunes cria um espetáculo que
oferece leituras, inclusive aquela
apontada pelo diretor. De uma
história sobre a paixão ferida e
sua vingança, passando pelo arquétipo da insurreição feminina e
chegando à metáfora da resposta
da natureza às agressões humanas, "Medéia" presta-se, como
poética e filosófica, a várias possibilidades que a montagem abriga.
Mas o mito está em aberto e pode ser interpretado como fundamento atemporal, a criação é mediada por fatores históricos ou, ao
menos, por relações objetivas entre o criador e a sociedade.
Nesse sentido, o recorte que Antunes e o grupo do CPT fazem de
"Medéia" dialoga ao mesmo tempo com essa atualização da tragédia e com suas origens, anteriores
mesmo à versão de Eurípedes, em
que a narrativa mítica relaciona a
figura feminina aos ciclos naturais de fertilização, geração e morte. A crise se impõe no momento
em que o ciclo é impedido por
uma idéia de progresso que é exterior às necessidades elementares de equilíbrio do sistema.
O espetáculo personifica essa
natureza originária (Gaia-Medéia, traída, trocada) e o homem,
seu algoz (Jasão, que sai em busca
de ganho material, em núpcias
mais promissoras). O resultado
do conflito, a mais cruel das vinganças, não poupa ninguém e inclui, como a instauração do caos,
o sacrifício dos próprios filhos, de
todos os agressores e de Medéia.
Para pôr em cena sua visão apocalíptica do mito, Antunes prefere
a clareza e a objetividade de símbolos que apontam imediatamente para a leitura pretendida. A cenografia de Hideki Matsuka dispõe os quatro elementos como
testemunhos rituais da tragédia.
O elenco, unido com as armas
colhidas nos exercícios de interpretação do CPT, chega até onde é
possível chegar e encontra na fala
trágica o contraponto melódico,
não sem dissonância. O Jasão de
Kleber Caetano -irônico destino- é menos contundente que
seus personagens laterais (Creonte, Egeu). O coro de mulheres amplia as vacilações da Medéia de Juliana Galdino, presa à sua formidável energia, que ainda procura
as diferenças da personagem.
Ensaiando dar as costas para os
deuses e pisando o pescoço do temido destino, Eurípedes mostra
que o mergulho do herói no infortúnio é fruto de sua desgraçada
autonomia diante dos fatos.
A atual montagem observa, junto com Eurípedes, o cachorro
morto do fatalismo. Mas se aproxima de uma leitura que, de tão
sintética, e de tão preocupada
com a essencialidade dos seus
conteúdos, corre o risco de apenas descrever um caos já dado e
reconhecido. Ressalve-se, obviamente, a qualidade da matéria artística, que diz muito.
Medéia
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Adaptação e direção: Antunes Filho
Elenco: Juliana Galdino, Kleber Caetano
Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro
Ramos, 991, SP, tel. 0/xx/11/6605-8143)
Quando: estréia amanhã, às 19h; sex.,
sáb. e dom., às 21h
Quanto: de R$ 10 a R$ 20
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